GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ sob o n.º 17.309.463/0001-32, que tem como finalidades institucionais a promoção dos direitos da população LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais) e o enfrentamento da homofobia e da transfobia (LGBTIfobia), com sede na Rua da Abolição, n.º 167, São Paulo/SP, CEP 01319-030, aplaude e celebra decisões judiciais que negaram totalitários pedidos de censura por razões homofóbicas, ao especial de Natal do Portal Porta dos Fundos.

Entidades religiosas, em distintos Estados (até agora: São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso), ingressaram na Justiça com o intuito de censurar programa do Portal Porta dos Fundos, por ter retratado de forma irônica e crítica a figura de Jesus Cristo. Ignorando o direito fundamental à sátira inerente à comédia, pretenderam impor sua totalitária visão de mundo, colocando em pedestal intocável e inquestionável a imagem específica que têm da referida deidade, como se fosse de sua propriedade.

Felizmente, ainda há Juízes(as) no Brasil. Até o momento, em todos os processos, a medida liminar foi negada.

Consoante relatado pelo site Consultor Jurídico, no processo n.º 0332259-06.2019.8.19.0001, “por não enxergar violação à liberdade de crença e incitação ao ódio, a 13ª Vara Cível do Rio de Janeiro negou, nesta quinta-feira (13.12), pedido de liminar para retirar do ar o ‘Especial de Natal Porta dos Fundos: a primeira tentação de Cristo’” e que, na decisão, “a juíza Adriana Sucena Monteiro Jara Moura afirmou que ‘o Judiciário só pode proibir a publicação, circulação e exibição de manifestações artísticas quando houver a prática de ilícito, incitação à violência, discriminação e violação de direitos humanos nos chamados discursos de ódio’”. Ademais, ainda segundo a matéria do site Consultor Jurídico, que traz a íntegra da muito bem fundamentada decisão judicial, bem concluiu a Juíza que:

“‘Ao assistir ao filme podemos achar que o mesmo não tem graça, que se vale de humor de mau gosto, utilizando-se de expressões grosseiras relacionadas a símbolos religiosos. O propósito de muitas cenas e termos chulos podem ser questionados e considerados desnecessários, mesmo dentro do contexto artístico criado com a paródia satírica religiosa. Contudo, há que se ressaltar que o juiz não é crítico de arte e, conforme já restou assente em nossa jurisprudência, não cabe ao Judiciário julgar a qualidade do humor, da sátira, posto que matéria estranha às suas atribuições’, avaliou a juíza, ressaltando que, como o filme está no Netflix, só assiste a ele quem quiser”.[1]

Já segundo trecho destacado pela Revista Forum, a Juíza ainda aduziu que considera “como elemento essencial na presente decisão que o filme controverso está sendo disponibilizado para exibição na plataforma de streaming da ré Netflix, para os seus assinantes. Ou seja, não se trata de exibição em local público e de imagens que alcancem aqueles que não desejam ver o seu conteúdo. Não há exposição a seu conteúdo a não ser por opção daqueles que desejam vê-lo. Resta assim assegurada a plena liberdade de escolha de cada um de assistir ou não ao filme e mesmo de permanecer ou não como assinante”.[2]

O GADvS considera relevante destacar que mesmo que o programa passasse em TV aberta, não haveria direito de religiosos(as) realizarem a censura em questão, ante os direitos fundamentais à liberdade de expressão, à sátira e à crítica.

Em 2020, um dos focos do GADvS será a luta pelo respeito à liberdade religiosa de pessoas LGBTI+, que têm o direito de, no exercício de sua religiosidade, fazer interpretações consideradas “não-ortodoxas” dos símbolos da fé cristã. Um exemplo é a peça que retrata uma Jesus Trans, muito bem elaborada pela atriz trans Renata Carvalho, que sofreu diversas censuras judiciais, manifestamente contrárias à Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que não as admite. Lembre-se, ainda, de outra atriz trans, em Parada do Orgulho LGBTI+ de São Paulo, que marchou crucificada, com a mensagem “Homofobia Não”, gerando protestos.

Que fique claro, pode-se protestar moralmente contra o que se quiser, mas não se pode pretender censurar, ainda que por decisão judicial, a liberdade artística e de crítica de pessoas LGBTI+, na sua leitura ou releitura crítica de símbolos e personagens da fé cristã e de qualquer outra. Curioso, aqui, a conveniente incoerência de fundamentalistas religiosos e reacionários morais, que rotineiramente acusam o Movimento LGBTI+ de querer “censurar” a liberdade de expressão e crítica deles com a criminalização da homotransfobia (uma acusação absurda, já que tudo que se quer punir são os discursos de ódio – e o voto do Min. Celso de Mello na ADO 26 e no MI 4733, seguido pela maioria do STF, fez perfeitamente a conciliação da liberdade religiosa com a vedação de discursos de ódio homotransfóbicos, no julgamento que bem considerou a homotransfobia como crime de racismo). Afinal, são eles, aqui, que deixam claro que pretendem impor sua visão totalitária de mundo, não admitindo que a liberdade religiosa e de crítica de pessoas LGBTI+ sobre símbolos da fé cristã.

Segundo matéria da Folha de São Paulo, já há sete ações pedindo tal censura judicial, sendo cinco em São Paulo, uma no Rio de Janeiro e uma no Mato Grosso – até o momento, o pedido foi negado em todos eles.[3]

O GADvS fará manifestação de amicus curiae nestes processos, bem como diligenciará para que se obtenha a proteção do Supremo Tribunal Federal contra pretensão de censuras homotransfóbicas.

 

São Paulo, 21 de dezembro de 2019.

GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero
Paulo iotti
Diretor-Presidente

 

[1] Cf. <https://www.conjur.com.br/2019-dez-20/juiza-rio-nega-censura-especial-natal-porta-fundos?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook>. Acesso: 21.12.2019.

[2] Cf. <https://revistaforum.com.br/cultura/juiza-nega-liminar-para-retirar-especial-do-porta-dos-fundos-do-ar-seria-inequivocamente-censura/>. Acesso: 21.12.2019.

[3] Cf. <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/07/23/cultura/1532371217_501094.html>. Acesso: 21.12.2019.

[4] Cf. <https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/12/chegam-a-sete-as-acoes-no-pais-contra-jesus-gay-do-porta-dos-fundos.shtml>. Acesso: 21.12.2019.