30 de janeiro de 2019

À

Confederação Brasileira de Futebol

Refte: Homofobia no Futebol Brasileiro – a questão do repúdio institucional ao número “24” pelos clubes de futebol e o simbolismo homofóbico dessa prática – necessidade de medidas amplas para enfrentamento da homofobia no futebol masculino e feminino no Brasil (não vinculadas necessariamente ao número “24”)

Endereço: Avenida Luis Carlos Prestes 130
Barra da Tijuca – Rio de Janeiro/RJ – CEP: 22775-055. Telefone: (21) 3572-1900.

 

A Aliança Nacional LGBTI, organização da sociedade civil, pluripartidária e sem fins lucrativos, que atua na promoção e defesa dos direitos humanos e cidadania, em especial da comunidade LGBTI+, inscrita no CNPJ sob o n.º 06.925.318/0001-60, com sede na Av. Marechal Floriano Peixoto, n.º 366, cj. 43, Centro, Curitiba/PR, CEP 80010-130, e o GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, organização não-governamental, inscrita no CNPJ sob n.º 17.309.463/0001-32, que tem como missão o ativismo por intermédio do Direito para promoção dos direitos da população LGBTI+ e do enfrentamento da LGBTIfobia, com sede na Rua da Abolição, n.º 167, Bela Vista, São Paulo/SP, CEP 04709-000, vêm, respeitosamente, à presença de Vossas Senhorias, solicitar providências desta entidade sobre a homofobia no futebol, nos seguintes termos:

Consoante matéria do site Super Esportes, nenhum clube de futebol do Brasil utiliza o número “24”[1], pela estigmatização que o número recebeu ao longo dos tempos, como relacionado à homossexualidade. Isso pode parecer uma questão de “menor importância”, mas é extremamente simbólica do grau de homofobia no futebol brasileiro. Como, aliás, provam os reiterados gritos de “bicha” quando o goleiro do time adversário bate o tiro de meta – algo que o GADvS apresentou notícias de infração ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva, nos anos de 2014 e 2015[2], e, embora referido Tribunal tenha se mostrado insensível na época, equivocadamente não punindo referidos gritos na época[3], a conduta passou a ser punida pela FIFA após a Copa do Mundo de 2014 (a demonstrar, reitere-se, o equívoco da rejeição das notícias de infração em questão). Algo que gerou a aplicação de multas à seleção brasileira de futebol masculino, como esta entidade obviamente sabe[4]. Lembre-se que, no último Campeonato Brasileiro, foi aplicada uma (ínfima) multa ao clube Atlético Mineiro, em razão de um horrendo grito de teor homofóbico de parte de sua torcida, quando gritou “Oh cruzeirense, toma cuidado, Bolsonaro vai matar viado”[5] – que exemplifica a nefasta prática, corriqueira em torcidas de futebol, de identificar o time adversário como formado por homossexuais (“viados”) para, com isso, menosprezá-lo…

A Aliança Nacional LGBTI e o GADvS gostariam de ver esta entidade máxima do futebol brasileiro tomar atitudes efetivas no enfrentamento da homofobia no futebol – gayfobia no futebol masculino e lesbofobia no futebol feminino. Entenda-se, não se quer “obrigar” os times de futebol a utilizarem a camisa de número 24, quer-se que o tema seja problematizado no contexto maior do simbolismo do desprezo institucional dos clubes e jogadores a esse número, como um repúdio à homossexualidade e a visão de homens gays como “menos homens” e mulheres lésbicas como “menos mulheres” que homens e mulheres heterossexuais. Não há como negar a fortíssima homofobia no futebol brasileiro e isso é algo que a Confederação Brasileira de Futebol precisa, urgentemente, enfrentar, com medidas preventivas e repressivas – neste último caso, efetivamente punindo clubes de futebol que, por si ou por suas torcidas, incorram em práticas e manifestações homofóbicas. Afinal, isso decorre do dever constitucional de enfrentamento de todas as formas de preconceitos e discriminações (art. 3º, IV, da CF/88), que obviamente tem aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º, da CF/88) e à aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais às relações privadas (STF, RE 201.819/RJ, DJ de 27.10.2016).

Sem mais para o momento, e deixando expresso o intuito de diálogo e construção conjunta de soluções para o problema da homofobia no futebol brasileiro, permanecemos no aguardo de vossa resposta, ficando ademais à disposição para quaisquer esclarecimentos que se tornem necessários.

Atenciosamente,

 

Aliança Nacional LGBTI+

Toni Reis

  

GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero

Paulo Iotti

OAB/SP 242.668

[1] Cf. <https://www.mg.superesportes.com.br/app/noticias/futebol/futebol-nacional/2019/01/23/noticia_futebol_nacional,562838/numero-proibido-no-futebol-brasileiro-camisa-24-e-recusada.shtml>. Acesso em 30.01.2019.

[2] Cf. Notícias de Infração n.º 079, 286-A, 286-B e 286-C, todas de 2014. Entendimento reiterado, com maiores desenvolvimentos, na decisão de arquivamento do Inquérito n.º 245/2014.

[3] Cf. <https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/09/140919_homofobia_futebol_corinthians_rm_rb>. Acesso em 30.01.2019.

[4] Cf. <https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2017/10/1923606-fifa-multa-cbf-por-gritos-de-bicha-e-times-sul-americanos-pagam-r-18-mi.shtml>. Acesso em 30.01.2019.

[5] Cf. <https://www.mg.superesportes.com.br/app/noticias/futebol/interior/2018/09/16/noticia_interior,503044/atleticanos-citam-bolsonaro-em-canto-homofobico-para-cruzeirenses.shtml>. Acesso em 30.01.2019.