O GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ sob o n.º 17.309.463/0001-32, que tem como finalidades institucionais a promoção dos direitos da população LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais) e o enfrentamento da homofobia e da transfobia (LGBTIfobia), com sede na Rua da Abolição, n.º 167, São Paulo/SP, CEP 01319-030, e a Associação Mães pela Diversidade, inscrita no CNPJ sob n.º 28.807.504/0001-37, vêm a público REPUDIAR a declaração do Sr. Presidente da República, no sentido de trocar as expressões “genitor 1” e “genitor 2” dos passaportes, a pretexto de (supostamente) “fortalecer as estruturas familiares”[1].

Inicialmente, cabe lembrar que a alteração de “pai” e “mãe” para “genitor 1” e “genitor 2” foi efetivada para garantir a não-discriminação de famílias homoafetivas nos passaportes, já que são famílias compostas por dois pais ou duas mães. Um dever constitucional, ante a histórica decisão do STF que afirmou que a interpretação sistemático-teleológica da Constituição exige o reconhecimento da união homoafetiva como família (união estável constitucionalmente protegida), com igualdade de direitos relativamente à família heteroafetiva, em 2011 (ADPF 132/ADI 4277).

Como se vê, referida posição do Sr. Presidente da República, um notório antagonista dos direitos da população LGBTI+ e da igual dignidade delas relativamente a pessoas heterossexuais e cisgêneras, implica em inegável violação dos princípios constitucionais da proibição do retrocesso social, da igualdade e da não-discriminação.

Se essa medida for implementada, o GADvS tomará todas as providências necessárias para que ela seja judicialmente anulada, hipótese na qual temos confiança que será derrubada, no mínimo pelo Supremo Tribunal Federal, que tem se mostrado um porto seguro para a defesa da não-discriminação da população LGBTI+.

Inconteste a homofobia da fala do Sr. Presidente, consistente na negação do caráter familiar das uniões homoafetivas, claramente menosprezadas pelo mesmo relativamente às famílias heteroafetivas, visto afirmar que sua afirmação visaria “fortalecer as estruturas familiares” quando, na verdade, apenas garante mero privilégio às famílias heteroafetivas. Se o Sr. Presidente negar que essa tenha sido sua “intenção” (o que soará como expressão dos nefastos tempos de pós-verdade que nos assolam), isso será irrelevante, visto que não é inconstitucional apenas a chamada discriminação direta (ato intencionalmente arbitrário, para inferiorizar uns relativamente a outros), mas também a chamada discriminação indireta, a saber, aquela que, mesmo sem “intenção”, gera um efeito discriminatório a determinado grupo vulnerável, como, no caso, as famílias homoafetivas, que se verão alijadas de serem assim reconhecidas em passaportes. Afinal, como se pode seriamente dizer que, em um casal de dois homens, um deles poderá ser qualificado como “mãe”, e em um casal de duas mulheres, uma delas como “pai”?! Fora da discussão estritamente psicanalítica, em que “paternidade” e “maternidade” são funções culturais que se exercem independentemente de sexo biológico (um homem pode exercer a maternidade, por exemplo, no sentido de exercer as funções maternas), obviamente não é esse o contexto e a mensagem de efeito discriminatório que se passará com o retrocesso pretendido pelo Sr. Presidente da República.

Se referida alteração se concretizar, casais homoafetivos sofrerão profundos constrangimentos, que são bem evidentes, pois ou não se aceitará que um dos integrantes do casal homoafetivo masculino seja classificado como “mãe”, e uma das integrantes do casal homoafetivo feminino seja classificada como “pai”, gerando prejuízo ao filho ou à filha em questão, ou, se assim for classificado(a), isso provavelmente gerará consternação de oficiais brasileiros ou estrangeiros, em aeroportos, causando constrangimentos, ou, no mínimo, mas igualmente relevante, ofenderá a identidade de gênero cisgênera do próprio casal homoafetivo, já que se estará imputando-lhe uma palavra que denota um gênero incompatível com aquele com o qual se identifica. Situações configuradoras, inclusive, de dano moral aos casais homoafetivos em questão, vale ressaltar, por violação de seus direitos à personalidade (à identidade sexual e de gênero e à sua honra, ante os constrangimentos que isso certamente lhes causará).

Nesse sentido, fica o nosso profundo repúdio a mais essa postura homofóbica do Sr. Presidente da República.

GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero
pp. Paulo iotti (Diretor-Presidente)

Associação MÃES PELA DIVERSIDADE
pp. Majú Giorgi (Presidente Nacional)

[1] Fonte: <https://exame.abril.com.br/brasil/itamaraty-removera-genitor-1-e-genitor-2-de-formulario-de-passaporte/>. Acesso em 14.07.2019.