O GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, inscrito no CNPJ n.º 17.309.463/0001-32, a ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos, inscrita no CNPJ sob n.º 00.442.235/0001-33, a Aliança Nacional LGBTI, inscrita no CNPJ sob n.º 06.925.318/0001-60, a ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais, inscrita no CNPJ sob n.º 04.475.712/0001-18, a Associação Mães pela Diversidade, inscrita no CNPJ sob n.º 28.807.504/0001-37, e o PPS Diversidade, núcleo de diversidade sexual e de gênero do Partido Popular Socialista – PPS (CNPJ 06.325.553/0001-09), entidades de defesa dos direitos humanos e fundamentais da população LGBTI+ e que têm por missão, ainda, enfrentamento da homotransfobia (LGBTIfobia), vêm, publicamente, apresentar NOTA DE LOUVOR aos Eminentes Ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Morais e Roberto Barroso, pelos belíssimos votos em prol dos direitos humanos das população LGBTI+, bem como aos Ministros Luiz Fux e Dias Toffoli, pelo profundo elogio (justíssimo) ao paradigmático e histórico voto do Ministro Celso de Mello, bem como à Procuradoria-Geral da República, por seus pareceres favoráveis, no julgamento, do Supremo Tribunal Federal, sobre a criminalização da LGBTIfobia, iniciado na última quinta-feira, dia 14.02.2019 (e sustentações orais no dia 13.02.2019), com demais votos colhidos nos dias 20 e 21.02.2019.

São votos históricos, que lavam a alma da população LGBTI+, no reconhecimento de sua plena humanidade, igual dignidade, não-discriminação e igual proteção penal relativamente a pessoas heterossexuais e cisgêneras. Votos que honram nossa Suprema Corte, pelo elevadíssimo grau de humanismo e respeito à dogmática constitucional e convencional emancipatória, na interpretação dos direitos fundamentais e dos direitos humanos, em pleno respeito ao art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que aduz que as pessoas nascem livres e iguais em direitos e dignidade. Relativamente, no caso, ao direito à igual proteção penal, sem hierarquização de opressões, pleiteado nas ações e acolhido pelos votos dos Eminentes Ministros já citados.

Foi muito bem destacado, pelos Eminentes Ministros, que, com tal decisão, não está o STF a “legislar” ao reconhecer a homotransfobia como crime de racismo, demonstrando profundo desconhecimento do que foi, efetivamente, dito e fundamentado nos votos (ou ideológico fechamento de olhos a tal realidade objetiva). Com efeito, muito bem destacaram Suas Excelências, acolhendo as teses das petições iniciais e dos pareceres favoráveis da Procuradoria-Geral da República, que, a partir do conceito político-social de racismo, fixado pelo próprio STF, em histórico precedente (o famosíssimo e multicitado “caso Ellwanger” – HC 82.424/RS), enquanto qualquer ideologia ou conduta que gere a inferiorização de um grupo social relativamente a outro, mediante uma artificial e ideológica construção social de hierarquia entre distintos grupos sociais, alçando um a “natural/neutro” e, assim, dominante, e outro à condição de “degenerado/ideológico” e, assim, dominado, mediante estereótipos culturais e religiosos positivos em relação ao primeiro e negativos em relação ao segundo, é inconteste que a homotransfobia se enquadra neste conceito ontológico-constitucional de racismo. Lembrando-se, como lembraram Suas Excelências, a partir do voto do Eminente Ministro Nelson Jobim, no HC 82.424/RS, que destacou sua condição de Deputado Constituinte e, assim, coelaborador da Constituição Federal de 1988, que separaram-se constitucionalmente [e legalmente] os conceitos de “raça” e “cor” justamente para permitir a evolução conceitual sobre o significado de racismo, para que racismos desconhecidos em 1988, mas descobertos posteriormente, pudessem ser igualmente reprimidos pelo Estado. Assim, demonstra profundo desconhecimento do que foi fundamentado acusar-se o Supremo de estar aplicando “analogia in malam partem, pois, como bem explicado pelo Eminente Ministro Celso de Mello, não há juízo de “equiparação” de situações distintas, mas “idênticas no essencial”, há, ao contrário, uma perfeita identidade conceitual entre o conceito geral e abstrato de racismo e a homotransfobia. Razão pela qual, da mesma forma que, pela letra da lei, o racismo é gênero do qual negrofobia, etnofobia, religiosofobia e xenofobia são espécies (cf. art. 20 da Lei n.º 7.716/89), a homotransfobia também é espécie de racismo, enquadrando-se no crime de “discriminação por raça” (do mesmo dispositivo legal), mediante a técnica da interpretação conforme a Constituição. Lembrando-se que a criminalização por conceitos valorativos (como discriminação “por raça”), no sentido de conceitos não definidos pela lei, mas concretizados pelo Judiciário, é extremamente tradicional e aceita pela jurisprudência mundial, desde que não sejam “intoleravelmente vagos”, na lógica da jurisprudência alemã, que se entende aplicar-se ao princípio da taxatividade mundo afora (do contrário, crimes como o de injúria, que fala em “ofender a dignidade e o decoro”, e elementos normativos do tipo, como “motivo fútil ou torpe”, não definidos pela lei, mas concretizados pelo Judiciário, seriam necessariamente “inconstitucionais”, o que, notoriamente, não é o caso).

Lembre-se, ainda, que a interpretação conforme a Constituição é um instrumento de controle de constitucionalidade, segundo o qual a lei, em sua literalidade, aparenta ser inconstitucional, mas que, pelo princípio da presunção de constitucionalidade das leis, merece ser mantida no ordenamento jurídico, desde que interpretada de uma forma coerente com as normas constitucionais. Nesse sentido, entendem as entidades signatárias que a lógica dos votos até aqui proferidos pelo STF é a seguinte: para que o crime de racismo não gere um privilégio arbitrário, no sentido de beneficiar determinados grupos sociais (ainda que merecedores de tal proteção, como os atualmente protegidos pela Lei Antirracismo), mas não proteger outros sem fundamento lógico-racional (respeitante da isonomia) que o justifique, então, como bem dito pelo STF no famoso caso Ellwanger, a partir de forte literatura, o racismo é um conceito que precisa ser interpretado à luz dos princípios da igualdade e da não-discriminação. Isso não significa “analogia in malam partem” porque o raciocínio analógico supõe dizer que a homotransfobia seria “diferente” do racismo, mas merecedora da mesma repressão, o que não é o que as ações e os votos favoráveis do STF defendem; o que se aponta é que a homotransfobia é (abarcada pelo conceito de) racismo, não que a homotransfobia seria “equivalente” ao racismo – e, dentro do citado conceito ontológico-constitucional de racismo, já afirmado pelo STF (que deve ter coerência e integridade com seus próprios precedentes – cf. art. 926 do CPC/2015), é inconteste que a homotransfobia se enquadra nos tipos penais já existentes, relativos ao racismo, no crime de discriminação por raça (e, à toda evidência, também ao crime de injúria racial).

Aliás, ainda sobre a técnica da interpretação conforme, o Eminente Ministro Gilmar Mendes fez um aparte importante: a jurisprudência do STF reconhece a fungibilidade das ações constitucionais, o que significa que uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) pode ser conhecida como Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Então, Sua Excelência disse que perfeitamente possível juridicamente aplicar-se interpretação conforme a Constituição a dispositivo legal (como as ações e os pareceres favoráveis da PGR o fazem), em sede de ADO, até porque, do contrário, o partido impetrante ingressaria com ADI com pedido de interpretação conforme, razão pela qual [acrescenta-se] configurar-se-ia puro formalismo exacerbado negar-se a possibilidade jurídica da interpretação conforme aplicada pelos Ministros que já votaram.

Permita-se citar o apoio do jurista Bruno Torrano, erudito positivista brasileiro, gentilmente enviado ao advogado signatário, na véspera do julgamento, dada a agradável interlocução doutrinária de ambos. Disse o Professor Torrano: “Falar em “ativismo judicial” [decisão inconstitucional] nessa discussão é levar adiante uma concepção obsoleta de separação dos poderes, ignorar o importante papel institucional do STF no processo político-democrático brasileiro e interromper o dever de interpretação antes mesmo de ele começar. Já por duas décadas, o Legislativo tem depositado crescente confiança no Judiciário para, em exercício de função contramajoritária, invalidar ações e omissões legislativas que eventualmente potencializem a dor e sofrimento de minorias políticas. A Constituição funda-se na cidadania, na dignidade humana e no pluralismo, trata expressamente do dever de “punir” quaisquer discriminações, prevê mandamentos explícitos de criminalização e imprescritibilidade e traz uma infinidade de dispositivos que valorizam o pluralismo radical dos modos de ser, viver e expressar-se. De cabo a rabo, a Constituição mostra a preocupação de proteger, de forma autoritativa, a autocriação individual contra lampejos de intolerância e violência gratuita. Ativismo por ausência de texto, substituição da escolha política do Legislador ou ofensa ao planejamento jurídico-constitucional, portanto, não há. A perplexidade não se justifica”.

Sem mais para o momento, e na enorme expectativa e esperança de que o julgamento seja remarcado com a maior brevidade possível, precisamente pela verdadeira banalidade do mal homotransfóbico que nos assola, consoante ratificado pelo voto do Eminente Ministro Celso de Mello (e, também, com outros termos, pelos demais votos proferidos), apresentamos esta NOTA DE LOUVOR, oportunidade na qual renovamos nossos elevados votos de estima, respeito e consideração pelos Ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Dias Toffoli, bem como à Procuradoria-Geral da República, bem como ficamos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se tornem necessários.

 

De São Paulo para Brasília, 22 de fevereiro de 2019.

 

 

GADvS, ABGLT, Aliança Nacional LGBTI, ANTRA, Mães pela Diversidade e PPS Diversidade

Paulo iotti

OAB/SP n.º 242.668