O GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) apartidária, inscrita no CNPJ sob o n.º 17.309.463/0001-32, que tem como finalidades institucionais a promoção dos direitos da população LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais) e o enfrentamento da homofobia e da transfobia, vem a público aplaudir a sentença [1] da juíza Flavia Poyares Miranda, da 18ª Vara Cível do Forum Central da Comarca de São Paulo (processo n.º 1098711-29.2014.8.26.0100), que condenou o Sr. Levy Fidelix a pagar indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), “que reverterá para as ações de promoção de igualdade da população LGBT, conforme definição do Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT”, bem como a arcar com custos de direito de resposta pelas ofensas que fez à população LGBT em sua nefasta manifestação em debate presidencial do primeiro turno presidencial (programa “com a mesma duração dos discursos do requerido Levi Fidelix, e na mesma faixa de horário da programação, que promova os direitos da população LGBT, no prazo de trinta dias a partir da publicação da presente sentença”). O deferimento de antecipação de tutela na sentença para que o direito de resposta seja exibido imediatamente mostra uma precisa percepção da juíza acerca da gravidade da fala de Fidelix e na urgência de um direito de resposta à mesma.

Lembre-se, por oportuno, que o GADvS publicou nota de repúdio a Fidelix na época de sua nefasta fala [2].

Não se pode deixar de louvar o Núcleo de Combate à Discriminação da Defensoria Pública de São Paulo, na pessoa de sua coordenadora, Dra. Vanessa Vieira, pela iniciativa de propor a ação civil pública respectiva e gerar esse precedente histórico em prol da cidadania da população homossexual em particular e LGBT em geral.

Da mesma forma, cabe lamentar as manifestações que criticaram a condenação, especialmente as que afirmam que Fidelix teria sido condenado por ter dito que “aparelho excretor não reproduz”. Não obstante o desrespeito desta frase no contexto, como se casais homoafetivos fossem merecedores de menor respeito e consideração do Estado pelo fato de não reproduzirem (casais heteroafetivos estéreis, que não reproduzem, não são discriminados, como a coerência exigiria se esse argumento fosse realmente levado a sério – o que seria inconstitucional em ambos os casos), não foi isso que gerou a indignação do Movimento LGBT. Como destacado pelo GADvS na citada nota de repúdio, o que caracterizou o dano moral coletivo foi Fidelix aprofundar o absurdo ofensivo à dignidade das pessoas LGBT ao falar de “pedofilia” no contexto de uma pergunta sobre violência contra pessoas LGBT, em uma clara insinuação de relação entre homossexualidade e pedofilia; falar que “a maioria” precisa não ter medo de “enfrentar essa minoria”, em uma irresponsabilidade ímpar, para dizer o mínimo, que realmente tem o potencial grave de incitar a violência contra LGBTs; patologizar as pessoas LGBT ao falar em tratamento “psicológico e afetivo” (SIC) pelo SUS e ainda defender a segregação social de pessoas LGBT ao falar que elas precisariam ser tratadas “bem longe da gente” (SIC). Isso sem falar no verdadeiro terrorismo argumentativo de defender absurdamente que o reconhecimento da união homoafetiva como família com igualdade de direitos relativamente à união heteroafetiva significaria uma “necessária” redução pela metade da população brasileira (de 200 milhões para 100 milhões…) fala absurda em patamares incalculáveis, como se heterossexuais fossem “deixar de sê-lo”, como se isso fosse possível, pelo simples fato de o Estado Brasileiro se limitar reconhecer a união homoafetiva… algo simplesmente indefensável e ofensivo à inteligência alheia, mas igualmente um inegável terrorismo argumentativo…

Como igualmente destacado pelo GADvS em sua nota de repúdio, Fidelix claramente ultrapassou quaisquer limites do direito à liberdade de expressão e opinião e perpetrou verdadeiro dano moral coletivo que causou à coletividade LGBT, já que cometeu verdadeira “injúria coletiva” contra referida comunidade (no mínimo contra homossexuais, mas entende-se que contra pessoas LGBT em geral porque o foco da pergunta de Luciana Genro era sobre a comunidade LGBT como um todo). Isso porque, muito embora a liberdade de expressão/opinião realmente, em algum grau, garanta às pessoas, por assim dizer, o direito a posições reacionárias, indefensáveis, simplesmente absurdas e mesmo ridículas, o candidato realmente parece ter ultrapassado os limites aceitáveis da liberdade de expressão/opinião enquanto “livre mercado de ideias” (conceito clássico) – ou alguém vai defender seriamente um pseudo “direito” a defender a segregação social e a discursos que, na prática, efetivamente têm o condão de incitar a violência, ainda que ele eventualmente alegue que “não teve a intenção” de fazê-lo. Até porque, reitere-se, a pergunta da Luciana Genro foi no tema da violência contra pessoas LGBT, o qual ele menosprezou, mostrando-se absolutamente insensível à verdadeira banalidade do mal homotransfóbico (homofóbico e transfóbico) que vivemos na atualidade, pelo qual pessoas “normais”, e não “monstros desumanos”, se sentem detentoras de um pseudo “direito” a ofender, discriminar e mesmo agredir e matar pessoas LGBT por sua mera orientação sexual e/ou identidade de gênero distintas da heterossexualidade cisgênera (ou seja, respectivamente, de pessoas que não se sintam atraídas de maneira erótico-afetiva apenas por pessoas do sexo/gênero oposto e pessoas que não se identificam com o gênero a elas imposto por seus pais e pela sociedade quando de seu nascimento em razão de seu sexo biológico).

Como também citado na nota de repúdio, sábias as palavras de Leonardo Sakamoto [3] sobre o tema, no sentido de que:

“[…] Após esse discurso incitador de violência contra homossexuais, [Levy Fidelix] poderia muito bem entrar na categoria de criminoso. […] Pessoas como Levy Fidelix deveriam também ser responsabilizadas por conta de atos bárbaros de homofobia que pipocam aqui e ali – de ataques com lâmpadas fluorescentes na Avenida Paulista a espancamentos no interior do Nordeste. Pessoas como ele dizem que não incitam a violência. Não é a mão delas que segura a faca ou o revólver, mas é a sobreposicão de seus discursos ao longo do tempo que distorce o mundo e torna o ato de esfaquear, atirar e atacar banais. Ou, melhor dizendo, “necessários”, quase um pedido do céu. São pessoas como ele que alimentam lentamente a intolerância, que depois será consumida pelos malucos que fazem o serviço sujo. […]” (g.n)

Enfim, o que Fidelix proferiu foi uma fala pautada em um simplismo acrítico simplesmente absurdo e que tem, ainda, o condão de incitar o preconceito, a discriminação e a violência contra pessoas LGBT; um verdadeiro discurso de ódio que configura verdadeira desumanização da população LGBT ao defender um menor respeito e consideração (ou nenhum respeito e consideração) a homossexuais e pessoas LGBT em geral por sua mera orientação sexual ou identidade de gênero dissonante da heterossexual cisgênera. Foi isso que corretamente gerou a condenação de Fidelix por dano moral coletivo, o que, como felizmente bem reconhecido pela sentença da juíza Flavia Poyares Miranda, caracteriza um inequívoco extrapolar do direito fundamental à liberdade de expressão.

Logo, absurda e inaceitável a fala de Fidelix no sentido de que estaria sofrendo “perseguição política” (!) [4]. Ora, a lei brasileira determina a indenização em caso de dano moral, logo, também do dano moral coletivo – e, como é basilar, ninguém pode alegar o desconhecimento da lei a pretexto de descumpri-la. Assim, Fidelix teve a si pura e simplesmente aplicada a lei vigente, já que, ao contrário do que ele disse, houve ofensa (acima demonstrada) e ela é indenizável.

Liberdade de expressão não é liberdade de opressão e não abarca, portanto, ofensas a coletividades de pessoas e discursos de ódio em geral. Com efeito, sendo a liberdade o regime jurídico que permite às pessoas fazer o que quiserem desde que não prejudiquem terceiros e considerando que ofensas a coletividades e discursos de ódio evidentemente prejudicam suas vítimas, então evidentemente a liberdade de expressão não abarca tais condutas.

Dessa forma, precisa a sentença ao pontuar que “a conduta descrita na inicial ultrapassou a liberdade de expressão assegurada constitucionalmente, não podendo ser aceita a tese defensiva de que o candidato apenas estava expondo a sua postura ideológica” e que “ao afirmar que ‘dois iguais não fazem filho’ e que ‘aparelho excretor não reproduz’, comparando a homossexualidade à pedofilia, e que o mais importante é que a população LGBT seja atendida no plano psicológico e afetivo, mas ‘bem longe da gente’, respeitado entendimento diverso, o candidato ultrapassou os limites da liberdade de expressão, incidindo sim em discurso de ódio, pregando a segregação do grupo LGBT. Não se nega o direito do candidato em expressar sua opinião, contudo, o mesmo empregou palavras extremamente hostis e infelizes a pessoas que também são seres humanos e merecem todo o respeito da sociedade, devendo ser observado o princípio da igualdade”.

Vale destacar que o Ministério Público também proferiu parecer favorável no processo, afirmando, segundo a sentença, que a liberdade de expressão, ainda que configure direito caro à sociedade, não é absoluta, apresentando limites constitucionais quando implica em violações a direitos fundamentais do homem. É o que se constata no caso concreto, em que as declarações do requerido negam a própria dignidade humana à população LGBT. Logo, cabe agradecer também o importante apoio do Ministério Público no caso.

Reiteramos nosso agradecimento à Defensoria Pública e esperamos que a sentença condenatória de Fidelix seja mantida pelas instâncias superiores. Trata-se deuma excelente oportunidade para que a jurisprudência se consolide na delimitação dos limites da liberdade de expressão no que tange a discursos opressivos contra minorias e grupos vulneráveis em geral (e o LGBT em particular), que não pode ser entendida como permitindo ofender quem quer que seja.

GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual
pp. Paulo Iotti (Diretor-Presidente)
OAB/SP 242.668

 

Notas

[1] Disponível em: http://emporiododireito.com.br/wp-content/uploads/2015/03/SENTEN%C3%87A.ACP_.LEVI_.FIDELIX.pdf (caso o link deixe de funcionar: consultar www.tjsp.jus.br, clicar em “Consulta de Processos”, “Processos Cíveis…” e digitar o número 1098711-29.2014.8.26.0100 (aparecerá o “print” do processo, que terá a sentença disponível em seu corpo, nos lançamentos de 13 e 16.03.15 (no do dia 13, há o link que abre o arquivo da sentença, em PDF, de leitura mais agradável do que a forma “corrida”, sem parágrafos, do “print” do processo).

[2] Disponível em: http://www.gadvs.com.br/?p=1909

[3] DIsponível em: Cf. http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/09/29/a-homofobia-de-levy-fidelix-doeu-tanto-quanto-o-silencio-dos-candidatos/

[4] Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/03/condenado-por-fala-sobre-gays-levy-fidelix-diz-ser-alvo-de-perseguicao.html