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Artigos de membros do GADvS e outros colaboradores.

PRECONCEITO OU MEDO?

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Por: ALEX RICARDO
Advogado em São Paulo

A Constituição é uma lei estática ou uma decisão política composta por axiomas normativos que traduzem valores tendentes a balizar fatos sociais e a garantir a Democracia? Temos um guardião de uma lei formal estática ou de um complexo axiológico-normativo radiante sobre as ordens jurídica e social? O que é então família? O que é o amor? O que é base da sociedade dita na aludida decisão política de 1988?

Eis as questões nascidas diante dos argumentos críticos perante o avanço jurisprudencial de nosso Tribunal Constitucional relativo ao reconhecimento da União Homoafetiva.

Outrora em nossa sociedade, filhos havidos fora do casamento não eram vistos como parte da família.

Outrora, mulheres que se libertassem das amarras do casamento, seja pelo “desquite” ou pela “produção independente”, eram vistas como contrárias ao conceito de família. Outrora, até outubro de 1988, o conceito de família assumia uma rigidez que foi transmutada pelo bom senso ao longo do tempo, diante de fatos sociais para os quais a ordem jurídica não poderia negar a existência, relegando-os à marginalidade.

Fato: pessoas do mesmo sexo se amam, moram juntas, criam filhos (de um só dos parceiros, adotados, etc. O que isso importa?), constroem uma vida patrimonial e afetiva juntas, respeitando deveres civilmente qualificados como pertinentes ao casamento ou à União Estável entre homem e mulher (sejam estéreis ou não, isto é, capazes ou não de procriar).

Se há uma relação civilmente qualificada e geradora de deveres, há, para ela, direitos inerentes. Se, em tal, há elementos que transcendem o patrimônio, tocando o campo da afetividade, configurada por uma convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, alicerçada na lealdade, respeito e assistência, guarda, sustento e educação dos filhos (sejam adotados, ou de um só dos parceiros, em pé de igualdade com o casal homem e mulher que por algum motivo não podem ter filhos), por que negar a roupagem jurídica de entidade familiar?

Criticar a recente decisão do STF é ignorar um fato social, negar cidadania e, por conseguinte, atentar contra a ordem social democrática, cujo signo axiológico-valorativo foi insculpido de tal forma na CF/88 que chegou a criar imutabilidade de dispositivos, dentre eles, os previstos no artigo quinto.

Mais. Criticar o reconhecimento da União Homoafetiva como entidade familiar, é ignorar um fato social que está aí aos olhos de todos. Aplausos aos que lembram que se faz interpretação conforme a Constituição, mas não nos esqueçamos que a própria Carta Régia sofre mutações em seus conceitos, sendo essas uma forma de alteração constitucional.

Vivemos o Estado legalista puro e simples pela formalidade ou um Estado Social Democrático de Direito constituído por normas materiais e formais?

Se há normas materiais, há axiomas que conceituam elementos constitucionais. Havendo axiomas, não se interpreta a CF/88 tomando por base a ignorância de fatos sociais. Muito pelo contrário. São esses fatos que emprestam elementos de valor aos axiomas outrora constitucionalizados.

Se não é o Tribunal Constitucional, como parte do Poder Judiciário, o responsável pela leitura conceitual dos axiomas constitucionais, quem o seria? O Poder Legislativo?

Se o Poder Legislativo é omisso e há fatos sociais clamantes de justiça, o que faz o Poder Judiciário senão cumprir o CPC, art. 126, segundo o qual o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei, cabendo-lhe aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito?

Cabe ao Legislativo legislar, disseram os juízes franceses, mas sem deixar de aplicar o PACS, isto é, sem deixar de julgar reconhecendo a existência das entidades familiares às pessoas do mesmo sexo.

Vejam-se as notícias nos sites:

http://www.assemblee-nationale.fr/13/propositions/pion1286.asp

http://www.lepost.fr/article/2011/01/28/2385977_mariage-gay-un-petit-pas-du-conseil-constitutionnel-un-grand-pas-pour-les-homos.html

http://www.parismatch.com/Actu-Match/Societe/Actu/France-Le-conseil-constitutionnel-contre-le-mariage-homosexuel-mariage-gay-246251/

http://www.insee.fr/fr/themes/document.asp?reg_id=98&ref_id=ip1276

http://www.lappeldemontpellier.fr/

http://www.bayrou.fr/opencms/opencms/propositions/homoparentalite.html

Ignorância leva a pré-concepções ou preconceitos lastreados no que se ouviu dizer por meio de retórica arcaica e defasada contrária aos Direitos Humanos universalmente consagrados. Isso não é amar a Deus sobre todas as coisas, nem ao próximo como a si mesmo. É falta de respeito pela diversidade criada por Deus.

Por outro lado, talvez, não seja somente ignorância ou preconceito. Poderia ser o mesmo motivo que discriminou o filho havido fora do casamento ou a mulher que assumia sua posição de igualdade ao homem na sociedade: medo. Medo do que não se conhece. Medo do diferente. Medo de amar ao próximo como a si mesmo. Medo de perder o controle sobre o outro.

Preconceito ou medo? Medo e preconceito em retroalimentação recíproca entre covardes e ignorantes diante da realidade social dos presentes dias.

O que gera desconforto é ver críticas contrárias ao avanço social, representado na decisão favorável ao reconhecimento da União Homoafetiva, cuja tônica dá preferência ao engessamento da CF/88 por pura necessidade de ignorar um fato social e um valor jurídico humano a ele consagrado universalmente e fundamento constitucional: a Dignidade da Pessoa Humana.

Destarte, reitera-se o respeito e admiração ao nosso Tribunal Constitucional, no tocante, em especial, à decisão que reconhece a União Homoafeitva.

PORQUE DEVEMOS PREFERIR O TERMO DECLARAÇÃO E NÃO CONTRATO DE CONVIVÊNCIA; QUAL A NECESSIDADE DO TESTAMENTO SE JÁ TEMOS A DECLARAÇÃO DE CONVIVÊNCIA.

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Por: Clêuser

Quando aconselhamos os casais a manterem uma pasta, onde arquivam todo e qualquer documento que comprove o convívio e existência de suas famílias, estamos orientando este casal a ter meios de comprovar que esta “família” criou direitos durante o tempo que existiu.

 

Com o documento de convivência, que insistimos, tenha o titulo como DECLARAÇÃO DE CONVIVENCIA e não CONTRATO, (esclareceremos abaixo o porquê) este documento ampara a vida do casal; com ele é possível adquirir imóveis, carros, seguros, convênios de saúde, conta conjunta em Bancos, declarar dependência no Imposto de Renda; assim, nestas aquisições, o casal poderá constar como companheiros, e o nome de ambos poderão estar nos contratos.

 

O Testamento terá o papel de garantir estes direitos, em caso de morte, frente ao judiciário e principalmente, frente aos familiares; O Testamento deverá ser redigido observando as regras ditadas pela Lei de Sucessão, para evitar impugnações; ele não permitirá aos parentes, colaterais em especial, discutir direitos que acreditaram ter a vida inteira; garantirá e não permitirá que se discuta os direitos do companheiro sobrevivente. O TESTAMENTO FAZ LEI, EM CASO DE MORTE.

 

Porque Declaração e não Contrato?

 

A meu ver, não devemos induzir o Juiz a pré-julgamentos; assim quando nosso documento esta intitulando DECLARAÇÃO DE CONVIVÊNCIA, o processo tramitará na busca de comprovar a existência de uma UNIÃO ESTÁVEL; mas se for intitulado CONTRATO DE CONVIVENCIA, poderá trazer ao processo a interpretação precoce que a meação só existirá se os dois companheiros contribuíram financeiramente para construir o patrimônio do casal.

 

DO “DIREITO À TRISTEZA” AO RESPEITO À DIFERENÇA ou PRIMEIRA LEITURA SOBRE O JULGAMENTO DO STF SOBRE AS UNIÕES HOMOAFETIVAS

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por – Luiz Ismael Pereira

“Eros (assim devemos entender o argumento) não atraiçoa seu impulso original quando dirige sua paixão para a verdade, porque também a verdade é bela. E o é não tanto em si mesma como para o Eros. O mesmo vale para o amor humano: o homem é belo para o amante, e não em si mesmo, porque seu corpo se inscreve numa ordem mais alta do que a do belo. Assim a verdade, que é bela, não tanto para si mesma, quanto para aquele que a busca” (Water Benjamin).[1]

 

É de conhecimento geral que a homossexualidade sempre existiu. Na Grécia Antiga, as relações entre os homens eram as verdadeiras relações de amor – Eros.[2] Nas civilizações assíria, romana e egípcia eram vistas com normalidade.  Já com o advento do cristianismo, a homossexualidade passou a ser reputada como anomalia, anormalidade de comportamento, de encontro à vontade divina (Levítico 18:22; 1 Coríntios 6:9-11).[3]

A partir de 1991, a proibição da homossexualidade como expressão da personalidade é encarada como violação dos direitos humanos por parte da Anistia Internacional. Embora a homossexualidade tenha sido conhecida como patologia durante muitos anos deixou de o ser, apenas, no ano de 1995, quando passou a ser encara como um modo de ser inerente à pessoa, dela não podendo se impor a dissociação.

É sabido que o direito de intimidade é parte integrante de cada pessoa humana. Dentro dessa intimidade, inclui-se a identidade sexual que diferencial cada um[4]. A discriminação de um ser humano devido a sua orientação sexual configura uma clara violação da dignidade a ele devida.

Não é de se admirar que em países com preponderância religiosa, muitos dos dirigentes de organizações ou órgãos estatais tentem sobrepujar suas convicções quanto à sexualidade. Mas não é possível que tais convicções pessoais (preconceitos) discriminem baseadas numa característica constitutiva da personalidade e, desse modo, interfiram nas relações do Estado com o cidadão, qual seja, proteger a dignidade humana deste. O conteúdo do art. 1º, inciso III da nossa Constituição não possui apenas caráter de princípio de proibição, mas também requer que o Estado toma atitudes eficazes para a proteção da pessoa humana. É a chamada “promoção positiva de suas liberdades”.[5]

Dentre essa promoção positiva das liberdades estão as ações legislativas, executivas e judiciárias.

No mês de maio de 2011, gostaríamos de lembrar por toda significação política que exatos 43 anos após a “noite das barricadas” de maio de 68, o Supremo Tribunal Federal encarou na Tribuna o preconceito da omissão legislativa de regulamentar a união homoafetiva como sociedade familiar e, assim, conceder os direitos ao casal em equiparação à união estável entre homem e mulher.

Não nos cabe enfrentar ponto a ponto dos votos que já estão disponíveis a todos. O que nos cabe é iniciar uma visão das consequências de tal julgamento, destacando, nesse artigo duas: a visibilidade das minorias e a proteção dos direitos civil.

É fato notório que o julgamento televisionado, as reportagens por sítios da Internet, bem como a participação em redes sociais abriu os olhos de quem pensava que a relação homossexual é promíscua e passageira. Ao contrário, todos sabem, ainda que não concordem, que um casal pode morar no andar acima, pode ser o padeiro com seu companheiro, o seu chefe, seu colega de turma, seu irmão, primo, você… O que deve guiar a tal proteção é o princípio da alteridade: olhar e se preocupar com o outro.

Já quanto a proteção de direitos civis, entendemos, desde o primeiro momento que não se trata de efetivação de direitos humanos. O que se garantiu naquele histórico julgamento foram legalidades ligadas ao “direito da tristeza”: na morte do companheiro, o sobrevivente terá direito a seu patrimônio, bem como direito à pensão por morte; no caso de separação, ambos terão direito ao que foi construído pelo casal, não podendo a parte mais fraca ficar sem participação nos bens do outro, etc.

O que se garantiu com o julgamento? Direitos Civis! Não que isso não seja importante, em especial no caso em que a parte mais rica no casal, com a separação, pode sobrepor-se sobre a mais pobre; ou quando a família do companheiro proprietário de bens, leoninamente, ataca o sobrevivente no caso de morte. Isso não é nada incomum.

Preferimos pensar que essa visibilidade dos direitos civis seja, apenas, o primeiro passo para que o legislativo acorde de seu sono enfastiado de conchavos políticos,[6] com o fim de efetivar meios de educar a juventude para que encontre a verdade sobre as relações homoafetivas que, como certamente autorizaria dizer Benjamin, com as devidas alterações à epígrafe, é bela para as minorias que a buscam.

A segunda, O Estado não pode negligenciar a proteção às relações homoeróticas (ou homoafetivas), frutos de afeição inerentes ao ser humano, o que leva à melhor conclusão de que o rol do art. 226 abraça as relações homoafetivas como entidades familiares válidas e que produzem efeitos no mundo jurídico.

O primeiro passo foi dado. Devemos garantir, por meio de ações de movimentos sociais engajados na efetivação de direitos humanos voltados para a proteção das minorias, que a educação, a emancipação humana e política pressupõem, mas vão além dos “direitos da tristeza” rumo ao respeito à diferença.

 

 


[1] BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 53.

[2] Embora fale-se do amor entre homens, entenda-se amor entre iguais: homossexuais femininos, masculinos, transexuais, travestis etc.

[3] Cf. GIORGIS, José Carlos Teixeira. “A natureza jurídica da relação homoerótica”. Revista da Ajuris. Rio Grande do Sul: AJURIS, Ano XXIX, n. 88, TOMO I, Dez. 2002, p. 226.

[4] José Carlos Teixeira Giorigis chama de “núcleo da identidade sexual na personalidade do indivíduo” em seu texto “A natureza jurídica da relação homoerótica”, op. cit., p. 228

[5] No mesmo sentido do aqui defendido, os textos dos magistrados Roger Raupp Rios, “Dignidade da pessoa humana, homossexualidade e família”.In: MARTINS-COSTA, Judith (Coord.). A reconstrução do direito Privado: reflexos dos princípios, diretrixes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pp. 504/505, bem como José Carlos Teixeira Giorigis. A natureza jurídica da relação homoerótica, op. cit. p. 244.

[6] O Projeto de Lei da Câmara nº. 1.151/95, de propositura da então Deputada Federal Marta Suplicy, que torna realidade normativa a união homoafetiva, está pronta para pauta após, por muito tempo, ter aguardado apreciação.

 

Fonte – Revista Crítica do Direito. on line. N. 1, Vol. 4, 16 a 23 de maio de 2011, Disponível em: http://www.criticadodireito.com.br/.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A UNIÃO ESTÁVEL HOMOSSEXUAL

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O Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que a união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo constitui entidade familiar, como união estável (Código Civil, art. 1273).

Pergunta-se: (1) Qual o significado desta decisão? (2) Qual a repercussão para outras áreas? (3) O STF legislou, atropelando o Congresso Nacional? (4) Quais as conseqüências práticas da decisão?
 
(1)  O significado  é inestimável para a consolidação da democracia e dos direitos fundamentais. Afirmaram-se direitos básicos, a todos reconhecidos, como a liberdade sexual, a proibição de discriminação sexual, a privacidade, a intimidade, o respeito à dignidade da pessoa humana, a diversidade e o pluralismo.  A afirmação quanto à existência e às conseqüências destes direitos, especialmente na esfera da sexualidade, onde minorias sexuais são  discriminadas, deixa claro o dever de respeito e a dignidade constitucional de que são merecedores homossexuais. Isto ainda que eventuais maiorias, por sondagens de opinião ou por representantes eleitos, tentem impor seus preconceitos.   

 
(2)  A repercussão se dá em vários campos. A partir do incontestável dever de respeito às minorias sexuais e da relevância dos direitos sexuais, ficam superadas posturas que tentam justificar discriminações no trabalho, na educação, na saúde e nas mais diversas relações sociais. Fica clara a urgência e a necessidade de medidas antidiscriminatórias, como a criminalização da homofobia. Ganha-se certeza sobre muitos temas, como por exemplo a possibilidade de postulação de adoção conjunta por pessoas do mesmo sexo em união estável. Abrem-se caminhos para levar a igualdade mais a sério, inclusive no direito de família, com o reconhecimento do direito ao casamento, como fez a Corte Constitucional da África do Sul.
(3)  O STF não legislou. Ele aplicou a própria Constituição, que já protege a todos de discriminação sexual, especialmente aqueles objeto de preconceito. Outros direitos também foram aplicados, especialmente a liberdade sexual e o respeito à dignidade humana. Daí a conclusão de que excluir as uniões homossexuais é restrição indevida, contra a Constituição, deixando claro que o parágrafo 3º do art. 226 da CF/88 não torna  a união estável exclusiva para heterossexuais.
(4)  As conseqüências são práticas e efetivas. Todos os juízes brasileiros estão vinculados à decisão, não podendo mais rejeitar a união estável pelo fato de serem pessoas do mesmo sexo. Vários direitos daí decorrem, tais como: inclusão em planos de saúde, previdência, associação como dependente em clubes e sociedades, dever de alimentos em caso de necessidade, divisão de bens adquiridos na constância da união, direito à herança, usufruto dos bens do falecido e acompanhamento de parceiro em instituições hospitalares. Sabedores desta posição judicial, os particulares não mais poderão justificar tratamento prejudicial ao prestarem serviços ao público, muito menos sustentar
 
Para concluir: o STF cumpriu sua missão constitucional de fazer valer os direitos fundamentais de liberdade, de igualdade, de dignidade humana, de privacidade, de intimidade e de proteção às comunidades familiares, afirmando por dez votos a zero que homossexuais podem constituir união estável. 
 
Roger Raupp Rios, Juiz Federal, Doutor em Direito (UFRGS), Professor do Mestrado em Direitos Humanos (UNIRITTER

Violência contra homossexuais

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Por: Drauzio Varella

 

A homossexualidade é uma ilha cercada de ignorância por todos os lados. Nesse sentido, não existe aspecto do comportamento humano que se lhe compare.

 

Não há descrição de civilização alguma, de qualquer época, que não faça referência à existência de mulheres e homens homossexuais. Apesar dessa constatação, ainda hoje esse tipo de comportamento é chamado de antinatural.

 

Os que assim o julgam partem do princípio de que a natureza (ou Deus) criou órgãos sexuais para que os seres humanos procriassem; portanto, qualquer relacionamento que não envolva pênis e vagina vai contra ela (ou Ele).

 

Se partirmos de princípio tão frágil, como justificar a prática de sexo anal entre heterossexuais? E o sexo oral? E o beijo na boca? Deus não teria criado a boca para comer e a língua para articular palavras?

 

Se a homossexualidade fosse apenas perversão humana, não seria encontrada em outros animais. Desde o início do século 20, no entanto, ela tem sido descrita em grande variedade de espécies de invertebrados e em vertebrados, como répteis, pássaros e mamíferos.

 

Em virtualmente todas as espécies de pássaros, em alguma fase da vida, ocorrem interações homossexuais que envolvem contato genital, que, pelo menos entre os machos, ocasionalmente terminam em orgasmo e ejaculação.

 

Comportamento homossexual envolvendo fêmeas e machos foi documentado em pelo menos 71 espécies de mamíferos, incluindo ratos, camundongos, hamsters, cobaias, coelhos, porcos-espinhos, cães, gatos, cabritos, gado, porcos, antílopes, carneiros, macacos e até leões, os reis da selva.

 

Relacionamento homossexual entre primatas não humanos está fartamente documentado na literatura científica. Já em 1914, Hamilton publicou no Journal of Animal Behaviour um estudo sobre as tendências sexuais em macacos e babuínos, no qual descreveu intercursos com contato vaginal entre as fêmeas e penetração anal entre machos dessas espécies. Em 1917, Kempf relatou observações semelhantes.

 

Masturbação mútua e penetração anal fazem parte do repertório sexual de todos os primatas não humanos já estudados, inclusive bonobos e chimpanzés, nossos parentes mais próximos.

 

Considerar contra a natureza as práticas homossexuais da espécie humana é ignorar todo o conhecimento adquirido pelos etologistas em mais de um século de pesquisas rigorosas.

 

Os que se sentem pessoalmente ofendidos pela simples existência de homossexuais talvez imaginem que eles escolheram pertencer a essa minoria por capricho individual. Quer dizer, num belo dia pensaram: eu poderia ser heterossexual, mas como sou sem vergonha prefiro me relacionar com pessoas do mesmo sexo.

 

Não sejamos ridículos; quem escolheria a homossexualidade se pudesse ser como a maioria dominante? Se a vida já é dura para os heterossexuais, imagine para os outros.

 

A sexualidade não admite opções, simplesmente é. Podemos controlar nosso comportamento; o desejo, jamais. O desejo brota da alma humana, indomável como a água que despenca da cachoeira.

 

Mais antiga do que a roda, a homossexualidade é tão legítima e inevitável quanto a heterossexualidade. Reprimi-la é ato de violência que deve ser punido de forma exemplar, como alguns países fazem com o racismo.

 

Os que se sentem ultrajados pela presença de homossexuais na vizinhança, que procurem dentro das próprias inclinações sexuais as razões para justificar o ultraje. Ao contrário dos conturbados e inseguros, mulheres e homens em paz com a sexualidade pessoal costumam aceitar a alheia com respeito e naturalidade.

 

Negar a pessoas do mesmo sexo permissão para viverem em uniões estáveis com os mesmos direitos das uniões heterossexuais é uma imposição abusiva que vai contra os princípios mais elementares de justiça social.

 

Os pastores de almas que se opõem ao casamento entre homossexuais têm o direito de recomendar a seus rebanhos que não o façam, mas não podem ser fascistas a ponto de pretender impor sua vontade aos que não pensam como eles.

 

Afinal, caro leitor, a menos que seus dias sejam atormentados por fantasias sexuais inconfessáveis, que diferença faz se a colega de escritório é apaixonada por uma mulher? Se o vizinho dorme com outro homem? Se, ao morrer, o apartamento dele será herdado por um sobrinho ou pelo companheiro com quem viveu trinta anos?

 

O bullying homofóbico precisa ser combatido e criminalizado

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Por:  JEFERSON GONZAGA

A  abordagem do tema bullying, sobre o prisma jurídico, tem lá seus motivos. Tem sido ele a justificativa para a ocorrência de uma série de atentados, homofóbicos ou não, mas sempre cruéis.

Últimos episódios retratados pela mídia envolvendo o bullying homofóbico são lamentáveis num país como o nosso, que, em 2009, na Parada de Orgulho GLBT, em São Paulo, teve como tema “Sem homofobia, mais cidadania – pela isonomia dos direitos”.

A homofobia como temática para uma manifestação social de tamanha proporção refletiu a indignação e denúncia da violência e da violação de uma série de direitos, enfatizando a igualdade de gênero.

Em nome daqueles que partilham do mesmo repúdio é que escrevo o tema, lamentando o ocorrido com atletas que ao longo dos anos têm sido expostos a uma série de situações vexatórias e constrangedoras, que ferem a dignidade de cada ser. Lamento ainda, por aqueles que padecem do mesmo mal, sofrem da mesma violência e que não são retratados pela mídia.

A homofobia é uma manifestação cruel e arbitrária que consiste em designar o outro como o contrário, inferior ou anormal, referindo-se a um pré-julgamento e ignorância que consistem em acreditar na supremacia da heterossexualidade.

Neste contexto é possível e pertinente inserir o fenômeno bullying, que foi objeto de estudo pela primeira vez na Noruega e é utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica contra alguém em desvantagem de poder, sem motivação aparente e que causa dor e humilhação a quem sofre. No Brasil, os primeiros estudos começaram em 2000 – 20 anos após o termo ter se difundido no mundo. Ainda existem divergências quanto a seu conceito, mas qualquer que seja sua designação o bullying é fenômeno sério, complexo e multifacetado.

Assim, o bullying homofóbico é sustentado por concepções preconceituosas e práticas discriminatórias em relação às pessoas que apresentam uma orientação distinta da heterossexualidade, retrata sentimentos de ódio, aversão ou hostilidade às pessoas que possuem um desejo pelo mesmo sexo (ou, ao menos, apresentam esta possibilidade) e a todas as demais manifestações sexuais distintas, permitindo que um número inestimável de homossexuais vivencie sentimentos de rejeição de toda ordem: psicológica, física, religiosa, entre tantas outras. Partilho do entendimento de que discriminar não é apenas falar o que se pensa a respeito de algo, expondo um parecer pessoal. Discriminar é atentar à violação da dignidade de cada pessoa, em seu íntimo, e essa afronta compete ao direito tutelar.

Conheço da resistência do poder público ao discutir o Projeto de Lei da Câmara – PLC 122/06 -, que trata os crimes relacionados à homofobia. Esse Projeto alteraria a Lei 7.716/89, que dispõe sobre crimes de preconceito, incluindo a criminalização da homofobia. Nesse contexto, o combate a homofobia representa o combate ao ‘bullying homofóbico’, ao machismo e a possibilidade de vivências de outros tipos de ser homem, de outras masculinidades. Por essa série de atos e manifestações preconceituosas é que os homossexuais receberam, ao longo da história, rótulos pejorativos, descabidos, cruéis e discriminatórios.

A criação de leis específicas às necessidades e interesses da população homossexual é um indício das mudanças que vêm ocorrendo, por parte do poder público, desse grupo sócio-historicamente discriminado. Embora respeite, não comungo da compreensão de que condutas discriminatórias homofóbicas estejam previstas no artigo 140 do Código Penal, sendo, portanto, crimes de injúrias. Não que não sejam – são! Mas vão além. Refletem a história de um povo que tem sofrido uma série de agressões sem que sejam tutelados dentro de sua particularidade, dentro de desigualdade perante a sociedade. É o grito dessa parcela da população que merece ser ouvido.

Atentar-se ao respeito da diversidade sexual, compreendendo as violências morais, psíquicas, religiosas e físicas sofridas pelo gênero LGBT é mais que reconhecê-los em sua particularidade, é possibilitar a concretização da Justiça, mediante a defesa da dignidade. É a partir das intimidações, hostilizações e ridicularizações sofridas pelo gênero é que são permitidos os questionamentos e discussão do assunto.

É pela série de atentados, que o poder público insiste em não ver, sequer se manifestar, é que a voz LGBT não pode se calar. Pelos que clamam por Justiça e por aqueles que atuam na defesa dos Direitos Humanos é que um significativo avanço na defesa da homossexualidade deve acontecer. Reflito quantas difamações, humilhações e perseguições deverão sofrem os homossexuais a fim de que se trave uma importante batalha em prol da dignidade humana, sem ordem do precário ou desprezível pelo Estado.

Àqueles que vivem oprimidos em razão da exposição a atentados de bullying, aos que são vítimas de condutas homofóbicas, quer seja no seu núcleo familiar, no trabalho, na universidade ou qualquer ambiente, oriento que denunciem tais agressões – o Poder Judiciário existe para apreciar a defesa das ameaças ou lesões de direitos.

Mesmo marginalizados e sofridos, não desistam de ser feliz a seu modo. Amem – sem censura, nem pudor.

Não se intimidem! O silêncio ainda é o melhor amigo do preconceito.

(Texto escrito por: JEFERSON GONZAGA, advogado inscrito na OAB/SP sob o nº 307.936; tem 25 anos e reside em Campinas – SP, estuda, incentiva e apoia o estudo dos assuntos jurídicos homoafetivos)

Texto publicado na íntegra extraído do Site A CAPA no seguinte endereço eletrônico em 21/04/2011, mediante autorização autoral e redacional:

http://acapa.virgula.uol.com.br/colunas/direitos-o-bullying-homofobico-precisa-ser-combatido-e-criminalizado/10/74/13300

Laicidade Estatal e Contraditório Material. O caso de Entidades Religiosas que queiram apresentar “amici curiae” em processos judiciais perante o STF.

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Por: Paulo Roberto Iotti Vecchiatti

 

Foi noticiada a inclusão da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, como amicus curiae (“amigo da corte”), nos processos que vão discutir a constitucionalidade do reconhecimento judicial da união estável homoafetiva (ADPF 132 e ADIN 4277, a serem julgadas conjuntamente, sob a relatoria do Ministro Ayres Britto). O fato faz lembrar decisão oposta do Ministro Marco Aurélio, relator da ADPF 54 (que discute a constitucionalidade do chamado “aborto de anencéfalos”, cuja petição inicial classifica como “antecipação terapêutica do parto”), que indeferiu o ingresso da CNBB naquele feito, salvo engano sob o fundamento de que o Estado é laico.
 
Como já disse em outra oportunidade[1], para que tenha algum significado real, a laicidade estatal tem que significar que fundamentações religiosas não podem influir nos rumos jurídicos e/ou políticos da nação[2]. Ou seja, fundamentações religiosas não podem ser consideradas pelo Poder Judiciário e, portanto, pelo Supremo Tribunal Federal, na tomada de suas decisões. Somente a racionalidade laica pode sê-lo, sob pena de se impor valores religiosos oriundos de dogmas tidos como indiscutíveis pelas religiões respectivas a pessoas que não compartilham de tais valores religiosos, o que é vedado pelo próprio princípio da liberdade religiosa, que, para Canotilho e Vital Moreira, garante o direito de não ter a vida influenciada pela religião alheia[3]. Só a racionalidade laica pode ser imponível a todos, por não se pautar em valores metafísicos que não podem ser provados de maneira empírico-científica e/ou lógico-racional e nem pretendem sê-lo (a diferença básica entre fé e ciência é a de que a fé não pode ser comprovada).

Na época, aplaudi a decisão do Ministro Marco Aurélio em um debate, sob o fundamento de que a CNBB evidentemente iria tentar impor sua visão religiosa de mundo no processo, ainda que eventualmente de forma disfarçada, com uma roupagem laica para tentar fazer valer sua visão religiosa de mundo no processo. Ou seja, fraude argumentativa. Por outro lado, a própria CNBB confessou que quer que valores religiosos sejam considerados no processo, visto que seu memorial trouxe a alegação absurda de que um Estado Laico deve levar em consideração os valores religiosos da sociedade em suas decisões, ante o “respeito” que deve às religiões (http://www.conjur.com.br/2004-ago-23/cnbb_ministro_usurpou_funcao_congresso_nacional). Contudo, essa exegese não pode ser aceita, pois tira qualquer significado real/prático da laicidade estatal, pois se fundamentações religiosas forem aceitas como paradigmas jurídico-políticos, então haverá, no mínimo, “aliança” do Estado com a religião respectiva, o que é expressamente vedado pelo artigo 19, inciso I, da Constituição Federal de 1988. O “respeito” devido às religiões não dá o direito a estas de quererem interferir no Direito e na Política de um Estado Laico.

Por outro lado, há quem argumente que mesmo organizações religiosas devem ser aceitas no debate, desde que tragam argumentos não-religiosos, ou seja, argumentos pautados na racionalidade laica inerente a um Estado Laico. É um argumento que não se pode desprezar.

O indeferimento da participação de organizações religiosas como “amici curiae” nos processos judiciais parece-me ser pautado no fato evidente de que elas pautarão sua argumentação em suas pré-compreensões religiosas, ainda que sob uma roupagem de argumentação “laica” – as aspas são necessárias porque, ainda que não o citem, se pautarão por tais pré-compreensões religiosas. É uma tese com boa coerência argumentativa. De qualquer forma, para não termos discussões sobre suposta ilegitimidade da decisão por não se permitir a participação de organizações representativas de setores consideráveis da sociedade, ainda que religiosas, parece salutar permitir sua participação nos processos, desde que argumentos religiosos não sejam apresentados, por força do princípio da laicidade estatal. Se argumentos religiosos forem apresentados, a manifestação deve ser excluída dos autos do processo, por força do princípio da laicidade estatal.

O contraditório significa, materialmente, ter suas considerações levadas a sério pelo órgão julgador[4], mediante um dever de diálogo com as partes no processo que tem por objetivo influir no convencimento do julgador mediante apreciação série e detida por este dos argumentos fundamentos argüidos pelas partes em suas peças processuais[5], o que só pode ser aferido mediante o enfrentamento de tais razões pela decisão respectiva – logo, se o Estado é Laico, o contraditório material só pode permitir que sejam consideradas pelo órgão julgador argumentações pautadas pela racionalidade laica – nunca para se admitirem fundamentações religiosas, pois isto implicaria em “aliança” com a religião cuja fundamentação religiosa foi utilizada, o que é vedado pelo art. 19, inc. I, da CF/88.

 

Bibliografia


[1] VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Tomemos a sério o princípio do Estado laico. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1830, 5 jul. 2008. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/11457>. Acesso em: 8 abr. 2011.
 
[2] O trecho completo/original é o seguinte: “Estado Laico é aquele que não se confunde com determinada religião, não adota uma religião oficial, permite a mais ampla liberdade de crença, descrença e religião, com igualdade de direitos entre as diversas crenças e descrenças e no qual fundamentações religiosas não podem influir nos rumos políticos e jurídicos da nação. É o que se defende ser o Brasil sob a égide da Constituição Federal de 1988, em razão de seu art. 19, inc. I, vedar relações de dependência ou aliança com quaisquer religiões”.
 
[3] CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital. CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ANOTADA, Volume I, 1a Edição Brasileira, 4a Edição Portuguesa, 2007, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais e Coimbra: Coimbra Editora, p. 609. No original: “[…] A liberdade de religião é a liberdade de adoptar ou não uma religião, de escolher uma determinada religião, de fazer proselitismo num sentido ou noutro, de não ser prejudicado por qualquer posição ou atitude religiosa ou anti-religiosa. (…)” (grifos nossos).
 
[4] Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, no MS n.º 24.268, sob a lavra do Min. Gilmar Mendes, no qual demonstrou-se que o direito fundamental ao contraditório supõe o direito de ver seus argumentos considerados (“Recht auf Berücksichtigung”), o que faz com base na doutrina alemã de Dürig/Assmann, no sentido de que o dever do magistrado de conferir atenção ao direito das partes não envolve apenas a obrigação de tomar conhecimento (“Kenntnisnahhmeplicht”), mas também a de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas (“Erwägungsplicht”), donde afirmou-se que “O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica” (cf. STF, MS n.º 24.268) [o que só pode ser aferido com certeza e segurança com o enfrentamento destas razões apresentadas], tendo em vista que, como bem demonstrado pelo Tribunal Constitucional Alemão, a pretensão à tutela jurídica (“Anspruch auf rechtliches Gehör”) envolve não só o direito de manifestação e o direito de informação sobre o objeto do processo, mas também o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar – in Decisão da Corte Constitucional Alemã – BverfGE 70, 288-293. Grifos nossos. No mesmo sentido, a posição do jusfilósofo do Direito Lenio Luiz Streck, que ratifica tais colocação do MS n.º 24.268/STF (cf. STRECK, Lenio Luiz. VERDADE E CONSENSO. Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. Da Possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito, 3ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, pp. 557-558).
 
[5] Cf. MARIONE, Luiz Guilherme e MITIERO, Daniel. O Projeto do CPC. Críticas e Propostas, 1ª Edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pp. 128-129, para quem “A fundamentação das decisões judiciais é ponto central em que se apóia o processo civil do Estado Constitucional e constitui o parâmetro mais fiel da reta observância do direito ao contraditório como dever de diálogo no processo. […] Se o contraditório significa dever de diálogo e tem por objetivo influir no convencimento judicial, então é evidente que a sua última expressão está na apreciação séria e detida, na motivação da decisão, dos fundamentos argüidos pelas partes em suas peças processuais. É claro que isto não significa que o órgão jurisdicional está obrigado a rebater todos os argumentos levantados pelas partes. Evidentemente que não. Significa, contudo, que o juiz tem o dever de analisar todos os fundamentos – isto é, todas as proposições que por si só podem determinar a procedência ou improcedência do pedido – por elas sustentados em suas manifestações processuais. Vale dizer: o parâmetro para aferição da fundamentação de uma decisão, no Estado Constitucional, não é somente interno. Não basta que nela conste o esquema lógico-jurídico pelo qual o juiz chegou às suas conclusões. O critério é também externo: a adequada motivação deve ser aferida também em função da atividade das partes”. Grifos nossos.

Marta Suplicy altera o PLC 122/2006 para agradar Evangélicos

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Por: Patrícia Gorisch.

…E ela disse Amém!

Mais uma decepção. Em meio a tantas notícias homofóbicas dos últimos tempos, o tão sonhado e lutado texto do Projeto de Lei da Câmara 122 de 2006 (Lei Anti-Homofobia), foi alterado para agradar a bancada religiosa.

Marta Suplicy disse amém. Sucumbiu aos apelos da bancada religiosa e fundamentalista, que prega o verdadeiro ódio aos homossexuais. Na contramão do projeto que em tese deveria defender os homossexuais, preservando-os das ditas “homofobias”, a relatora acabou se curvando perante aqueles que mais pregam homofobia.

São mais de 30 anos de luta da comunidade LGBT neste país… e quando temos em nossas mãos e no atual tempo de tantos debates contra a homofobia, um projeto de lei que combate justamente este ódio infundado, há um retrocesso, com a inclusão de um parágrafo em nome da “liberdade religiosa”.

Minha indignação tem fundamento. Com a inclusão do parágrafo no qual protege os templos religiosos, desde que não incitem a violência, de pregar CONTRA os homossexuais, em respeito a liberdade religiosa, infringe este parágrafo, ao meu entender, importantes pactos internacionais e a própria Constituição Federal.

Há um direito muito maior do que o da simples liberdade religiosa: o da dignidade da pessoa humana; princípio este basilar e FUNDAMENTAL de todo o ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, o Brasil é signatário de inúmeros Pactos Internacionais, que protegem antes de mais nada, a dignidade da pessoa humana.

Com a inclusão do parágrafo no qual protege a “livre manifestação” nos templos, estaríamos permitindo, dentro do Brasil, uma “zona neutra”, onde vale tudo e tudo pode – inclusive ser homofóbico.

Ocorre que, em tese não deveria existir “zona neutra” no Brasil. Afinal, não há exceção para a aplicabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana, mas a senadora põe vida a nossa mania de “dar um jeitinho”.

A homofobia, a exemplo de tantos outros países, deverá ser considerada crime em sua plenitude, e não podemos permitir, em nome da liberdade religiosa, que homossexuais sejam alvo de “cura” e de “exorcismo”.

A liberdade religiosa é limitada a partir do momento em que atinge a dignidade dos homossexuais, que acima de tudo são SERES HUMANOS.

O que se discute aqui não é religião, afinal, vivemos num Estado laico. Discutimos o fundamentalismo. Com o escopo religioso cristão, as igrejas neopentecostais, representadas por uma grande bancada no Senado, incitam o ódio e promovem a “cura” dos homossexuais, colocando-os em uma categoria menor a de qualquer outra pessoa, classificando-os em verdadeiras sub classes, sendo alvos de chacota e de repulsa. A repulsa e as chacotas, não ficam restritas ao templo. Irão para as ruas. E aí surge o perigo.

Há uma necessidade de impormos limites à liberdade religiosa.

Não podemos permitir que, com base na liberdade religiosa, atos físicos, psicológicos e morais contra os homossexuais sejam permitidos, mitigando a dignidade da pessoa humana. O Estado, nem mesmo quando defendido pelos representantes do povo pode dizer “amém” aos absurdos da Igreja – não neste século.

Houve claro retrocesso na atual redação do PLC 122. A retirada deste parágrafo se mostra necessária, a partir do momento em que há real afronta aos princípios constitucionais e internacionais, garantidos e ratificados pelo governo brasileiro.

Digamos amém para a liberdade de amar e para a dignidade plena e irrestrita da comunidade LGBT.

 

 

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