O STF finalmente reconheceu a plena humanidade, dignidade, cidadania, liberdade e autonomia das pessoas transgênero (travestis, mulheres transexuais e homens trans) no histórico julgamento dos dias 28.2.2018 e 01.3.2018, ao permitir a mudança de nome e gênero dessa população independente de cirurgia, de laudos e de ação judicial. É um marco histórico no enfrentamento ao cissexismo[1] estrutural, sistemático e institucional que assola a população trans que merece, por isso, ser muito comemorado.

Referida decisão é histórica e representa um avanço sem igual, mudando o paradigma até então vigente. Justamente por isso, tem gerado muitas dúvidas. Gostaríamos de esclarecer alguns pontos.

O direito já está conquistado, mas ainda não está valendo. Infelizmente, em tese, ainda não é possível fazer a retificação por via administrativa. Para começar a valer, uma decisão judicial precisa ser oficialmente publicada no Diário da Justiça Eletrônico (o que não é o mesmo de passar na TV Justiça ou ser noticiada pela mídia). Essa publicação é uma espécie de transcrição do julgamento e que oficializa o que foi decidido. Pode parecer um formalismo exacerbado (injustificável), já que é notório o que o STF decidiu e disso não há dúvidas. Mas é uma justificativa formal que cartórios poderão usar para se isentar de cumprir a decisão, sendo imprevisível se, em ação judicial anterior à publicação, o Judiciário reconhecerá esse direito. Uma vez publicado o acórdão (a decisão), não haverá mais dúvida de que cada pessoa trans interessada poderá exigir, imediatamente, a retificação diretamente nos cartórios. Todavia, é provável que mesmo assim alguns cartórios venham a negar a retificação, alegando “não saber” como agir. Nesses casos, como o direito já existe e já é válido, é possível ingressar com uma ação na justiça para obrigar o cartório a realizar a retificação.

Para evitar esse problema, é interessante que o CNJ publique uma resolução que regulamente esse tema e assim pacifique possíveis conflitos. Essa resolução é bem vinda, mas não é necessária para que os cartórios comecem a atuar, já que a decisão do STF não condicionou sua eficácia a eventual regulamentação posterior, tendo, assim, eficácia imediata. De toda maneira, a ANTRA e ABGLT e já se pronunciaram que devem acionar o CNJ pedindo que regule a respeito. A Aliança Nacional LGBTI e o GADvS terão a mesma postura.

Tudo isso não deve demorar tanto. A orientação do GADvS é para que todo mundo que queira retificar espere um pouco, ao menos até a publicação do acórdão, para evitar qualquer tipo de constrangimento. Se houver muita urgência e realmente não conseguir a alteração via cartório, uma alternativa é ingressar com ação judicial, já pleiteando a aplicação do entendimento do STF, embora, como dito, parte do Judiciário possa querer esperar a publicação da decisão para tanto), supõe a demonstração do “perigo na demora”, ou seja, a urgente necessidade imediata, sem possibilidade de esperar a sentença, em seu tempo normal.

Por fim, aproveitamos para transcrever a conclusão do julgamento (da ADI 4275), disponibilizada pelo site do STF: “Decisão: O Tribunal, por maioria, vencidos, em parte, os Ministros Marco Aurélio e, em menor extensão, os Ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, julgou procedente a ação para dar interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica ao art. 58 da Lei 6.015/73, de modo a reconhecer aos transgêneros que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à substituição de prenome e sexo diretamente no registro civil. Impedido o Ministro Dias Toffoli. Redator para o acórdão o Ministro Edson Fachin. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 1º.3.2018″ (grifos nossos).

GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero
Por Thiago Coacci, Thiago Gomes Viana e Paulo Iotti