Em petição protocolada no dia 10.02.2018, o GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero e a ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, pleitearam que o Supremo Tribunal Federal reconheça o direito não só de transexuais, mas também de travestis, à mudança de nome e sexo no registro civil, independente de cirurgia de transgenitalização, bem como de laudos de profissionais de saúde e quaisquer outros terceiros. As entidades são amici curiae (“amigas da Corte”) nos processos que tramitam no STF sobre o tema – o Recurso Extraordinário (RE) 670.422/RS e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275 e são representadas pelo advogado constitucionalista Paulo iotti, atual Diretor-Presidente do GADvS. O julgamento está marcado para ter continuidade no dia 22.02.2018.

A petição foi apresentada em razão de, no dia 22 de novembro de 2017, quando o julgamento se iniciou, o belo voto do Ministro Dias Toffoli ter proposto, como tese de repercussão geral, a seguinte proposição: “O transexual, comprovada judicialmente sua condição, tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, independentemente de realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo”[1]. Como se fala somente em “transexual”, a advogada Maria Berenice Dias subiu à Tribuna e, suscitando questão de fato e de ordem (algo permitido a advogadas/os pelo art. 7º, X, do Estatuto da Advocacia), pedindo para que fosse usado o termo “transgênero”[2], que abarca transexuais e travestis, pois já há decisões judiciais deferindo esse direito a travestis. Após os cinco votos favoráveis e o pedido de vista do Ministro Marco Aurélio, o advogado Paulo Iotti também subiu à Tribuna, para explicar o significado do termo “transgênero”, já que o Ministro Roberto Barroso, antes de seu também belo voto, disse que talvez o Tribunal não estivesse preparado para tal discussão. Ia fazê-lo com base no entendimento da APA – Associação de Psicologia Americana, por citada pelo voto do Ministro Dias Toffoli, mas foi interrompido pela Ministra Cármen Lúcia (Presidente), que aparentemente entendeu que aquele não seria o momento para tal colocação (do que se discorda, por ser prerrogativa do advogado fazer tais esclarecimentos quando a dúvida surja no Tribunal, nos termos do art. 7º, X, do Estatuto da Advocacia – Lei Federal 8.906/94. De qualquer forma, o intuito do advogado Paulo Iotti foi parcialmente alcançado, visto que o Ministro Dias Toffoli, entendendo a pertinência da questão, sugeriu a apresentação de “memorial” sobre o tema. É o que se fez na citada petição, aqui explicada.

Nela, esclareceu-se que, para a APA, “Transgênero é um termo ‘guarda-chuva’ para pessoas cuja identidade de gênero, expressão de gênero ou comportamento não está em conformidade com aqueles tipicamente associados com o sexo que lhes foi atribuído no nascimento”[3]. Ato contínuo, citou-se que esse conceito também consta do Projeto de Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero, protocolado no Senado Federal (Sugestão n.º 61/2017) em nome do Conselho Federal da OAB (com o qual Iotti contribuiu na elaboração[4]), representado por Maria Berenice Dias, enquanto Presidente da “Comissão de Diversidade Sexual” do CFOAB, o termo é definido da mesma forma, embora explicitando-se travestis e transexuais, nos seguintes termos: “Para efeitos deste Estatuto, o termo transgênero abarca pessoas cuja identidade de gênero, expressão de gênero ou comportamento não está em conformidade com aqueles tipicamente associados com o sexo que lhes foi atribuído no nascimento, tais como travestis e transexuais” (art 2º, parágrafo único – grifo nosso).

Ainda na parte conceitual, citou-se que esse também é o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a qual, no Glossário da sua histórica e paradigmática Opinião Consultiva n.º OC 24/17 (especificamente na página 17):

  1. h) TRANSGÊNERO ou pessoa trans: Quando a identidade ou a expressão de gênero de uma pessoa é diferente daquela que tipicamente se encontra associada com o sexo designado no nascimento. As pessoas trans constroem sua identidade independentemente de um tratamento médico ou intervenções cirúrgicas. O termo “trans” é um termo guarda-chuva utilizado para descrever as diferentes variantes da identidade de gênero, cujo denominador comum é a não-conformidade entre o sexo designado ao nascer da pessoa e a identidade de gênero que tem sido tradicionalmente associada a ele. Uma pessoa transgênero ou trans pode identificar-se com os conceitos de homem, mulher, homem trans, mulher trans e pessoa não binária, bem como com outros termos como hiijra, terceiro gênero, biespiritual, TRAVESTI, fa’afadine, queer, transpinoy, muxé, waria e meti. A identidade de gênero é um conceito diferente da orientação sexual.[5]
  2. i) Pessoa transexual: As pessoas transexuais se sentem e se concebem a si mesmas como pertencentes ao gênero oposto que social e culturalmente se associa a seu sexo biológico e optam por uma intervenção médica – hormonal, cirúrgica ou ambas – para adequar sua aparência físico-biológica à sua realidade psíquica, espiritual e social.
  3. j) Pessoa travesti: Em termos gerais, se poderia dizer que as pessoas travestis são aquelas que manifestam uma expressão de gênero – seja de maneira permanente ou transitória – mediante a utilização de roupas ou atitudes do gênero oposto que social e culturalmente são associadas ao sexo designado no nascimento. Pode incluir ou não a modificação do seu corpo.
  4. k) Pessoa cisgênero: Quando a identidade de gênero da pessoa corresponde com o sexo designado ao nascer. (grifos nossos)

O intuito foi justificar que o termo transgênero já possui relativo consenso sobre seu significado, que em sentido estrito abarca somente transexuais e travestis. Esclareceram que o termo “Não abarca, por exemplo, drag queens (e drag kings), que são pessoas cisgênero que se vestem com o gênero opostos para fins performáticos (apresentação de shows). São pessoas cisgênero que podem ser tanto homossexuais, heterossexuais e bissexuais, mas que não têm identidade de gênero transexual ou travesti”. E destacaram:

  1. “Anote-se que a diferença entre transexuais e travestis não se refere ao desejo ou não de realizar a cirurgia de transgenitalização, tratando-se de questões puramente identitárias, embora identidades distintas. A pessoa transexual se identifica com o gênero oposto àquele que lhe foi atribuído ao nascer, em razão de seu genital – ou seja, a mulher transexual, apesar de designada como “homem” (sic), por ter nascido com um pênis, entende-se como mulher (que é), ao passo que o homem trans, apesar de designado como “mulher” (sic), por ter nascido com uma vagina, entende-se como homem (que é). Já a pessoa travesti não se identifica propriamente com o gênero oposto ao que lhe foi atribuído ao nascer, em razão de seu genital. É muito comum a travestis dizerem que “o binarismo de gênero não me [lhes] representa”, ou seja, não se entendem, propriamente, nem como “homens” nem como “mulheres”. Entendem-se como travestis e querem ser assim respeitadas; não se incomodam (ao contrário das pessoas transexuais) em se saber que são travestis (transexuais têm profundo sofrimento subjetivo por isso, querendo ser apenas reconhecidas de acordo com o gênero com o qual se identificam). Trata-se a travestilidade de uma identidade de gênero autônoma, fora do binarismo de gêneros, na qual a expressão de gênero é eminentemente feminina. Não se identificam como mulheres, mas têm uma expressão de gênero (em vestuário, maneirismos etc muito mais próxima da feminilidade do que da masculinidade. Daí fazer muito mais sentido permitir-se que retifiquem seu sexo jurídico para o “feminino”, caso esta vontade manifestem, por ser muito mais próximo de sua realidade que o “masculino”. Ressalte-se que o voto do Eminente Ministro Dias Toffoli ratificou a concepção puramente identitária do conceito de transexual – inclusive, honrando o signatário com a citação de sua doutrina[6], sobre a evolução conceitual do termo “transexual”, que superou a noção de “disforia de gênero” para ser entendido, atualmente, como uma questão puramente identitária (sendo que a travestilidade também é uma questão puramente identitária). Tendo Sua Excelência, inclusive, citado que a (supracitada) APA – Associação de Psicologia Americana, desta forma também entende, por desde 2012 não tratar a transexualidade como um “transtorno mental” (que nunca foi), mas como situação de pessoa que simplesmente se entende como pertencente ao gênero oposto ao que lhe foi atribuído ao nascer. Daí, reitere-se, a relevância da questão de fato e de ordem suscitada pelo advogado signatário e pela advogada Maria Berenice Dias na sessão de julgamento de 22.11.17.”

Ato contínuo, as entidades aproveitaram para explicar partes centrais da citada decisão da Corte IDH, no que tange à desnecessidade de cirurgia de transgenitalização e de laudos de terceiros para “comprovação” da identidade de gênero das pessoas trans. Sobre a desnecessidade de cirurgia, apontou-se a posição da Corte IDH no sentido de que “submeter o reconhecimento da identidade de gênero de uma pessoa trans a uma operação cirúrgica ou a um tratamento de esterilização que não deseja, implicaria condicionar o pleno exercício de vários direitos, entre eles, à vida privada (artigo 11 da Convenção), a escolher livremente as opções e circunstâncias que dão sentido à sua existência (artigo 7º da Convenção) e implicaria na renúncia ao gozo pleno e efetivo de seu direito à integridade pessoal. Cabe recordar que esta Corte indicou, no caso IV vs Bolivia, que a saúde, como parte integrante do direito à integridade pessoal, abarca também a liberdade de cada pessoa de controlar sua saúde e seu corpo e o direito a não sofrer ingerências, tais como ser submetido à tortura ou a tratamentos e experimentos médicos não-consentidos. Isso também poderia constituir uma vulneração ao princípio da igualdade e à não-discriminação contida nos artigos 24 e 1.1 da Convenção, visto que as pessoas cisgênero não se veriam na necessidade de submeter-se a este tipo de obstáculos e menosprezo à sua integridade pessoal para tornar efetivo seu direito à identidade (item 146 da decisão da Corte IDH).

Ademais, apontaram as entidades que a Corte Interamericana de Direitos Humanos demonstrou cabalmente como viola os direitos humanos das pessoas transgênero exigir-se que sejam submetidas a avaliações de terceiros, para que forneçam “laudos” atestando sua identidade de gênero transexual ou travesti. Especificamente, o direito humano ao livre desenvolvimento da personalidade, notoriamente implícito ao princípio da dignidade da pessoa humana (cf. STF, ADPF 132/ADI 4277, voto do Ministro Gilmar Mendes), por se tratar a identidade de gênero como algo relativo à profunda intimidade da pessoa transgênero, razão pela qual ela é soberana para defini-la, por autoidentificação.

 Isso porque, continuaram GADvS e ABGLT, a Corte IDH bem afirmou o o PRINCÍPIO segundo o qual a identidade de gênero não se prova, portanto, o trâmite deve estar baseado na mera expressão de vontade do(a) solicitante” (item 129 – raciocínio desenvolvido nos itens 121 a 133), razão pela qual a única prova que se pode exigir para tanto é a documental, relativa a uma declaração de vontade (soberana) da pessoa transgênero (travesti ou transexual) para tanto.

Ainda, apontaram que a proposta de tese de repercussão geral do Ministro Dias Toffoli acabava deliberadamente proibindo a retificação administrativa de nome e sexo das pessoas trans, com o que as entidades, respeitosamente, discordaram. A uma, porque “esse tema não é objeto do recurso, donde, além de talvez não estar “maduro” o bastante para ser aqui debatido, já que sequer trabalhado pela jurisprudência em geral dos Tribunais de Justiça”. A outra, porque “por não ter sido debatido com as partes e com os amici curiae, não poderia gerar decisão contrária ao notório pleito do Movimento Trans, de retificação pela via administrativa. Isso por força do direito constitucional e legal ao contraditório, como dever de diálogo e debate com as partes sobre todas as questões relevantes a ser decididas, imanente à garantia constitucional, e explicitada pelo art. 10 do CPC/2015”.

Destacaram que o tema aguarda julgamento do CNJ, no Pedido de Providências n.º 0005184-05.2016.2.00.0000. No qual as entidades apontam que resta demonstrado, pela DPU, que há amparo legal para o pleito, a saber, o artigo 110 da Lei de Registros Públicos, que estabelece que “os erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção poderão ser corrigidos de ofício pelo oficial de registro no próprio cartório onde se encontrar o assentamento, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente do pagamento de selos e taxas, após manifestação conclusiva do Ministério Público”.

Nesse sentido, segundo GADvS e ABGLT, “sendo a identidade de gênero decorrente do direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade, como bem apontado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (supra), então é plenamente possível entender-se como “erro que não exija qualquer indagação” o registro de uma pessoa com um gênero com a qual ela, mediante pedido em nome próprio (ainda que por representante legal), declare que não se coaduna com a sua identidade de gênero”. E continuaram, afirmando que: Sequer principiologia constitucional seria necessária para tanto, pela mera compreensão legal sobre o conceito civilista de “erro” já ser o bastante para se acolher a pretensão de retificação da identidade de gênero das pessoas transgênero pela via administrativa. Por outro lado, é evidente que uma interpretação conforme a Constituição de dito dispositivo legal pode perfeitamente ser utilizada para declará-lo enquanto constitucional desde que não exclua do conceito de “erros que não exijam qualquer indagação” aqueles relativos ao registro da pessoa com um prenome e um sexo com os quais ela não se identifica em razão de sua identidade de gênero (sob pena de necessidade de declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, para isto possibilitar). É o que propôs a DPU, com base em argumentos constitucionais e convencionais equivalentes aqui apresentados [7]. Pois, à toda evidência, houve um erro substancial dos pais, ao presumir que a pessoa teria uma identidade de gênero específica unicamente em razão do genital que tem ao nascer. Uma presunção decorrente de fatores culturais que, todavia, não deixa de caracterizar um erro, de sorte que a própria literalidade normativa já abarca o referido pleito da DPU perante o CNJ”.

Lembraram, ainda, que a Corte IDH entende que a identidade de gênero é um direito soberano de “autodeterminação e escolha livre de opções e circunstâncias que dão sentido à sua existência”, para adequar sua documentação civil à “identidade sexual e de gênero assumida e vivida pela pessoa”, no qual “Estado e sociedade devem se limitar a reconhecer a respeitar essa autodeterminação identitária, sem que a intervenção das autoridades estatais tenha um caráter constitutivo sobre ela” (item 158), razão pela qual É CERTO QUE O PROCEDIMENTO QUE MELHOR SE AJUSTA AOS REQUISITOS ESTABELECIDOS NESTA OPINIÃO É O DE NATUREZA MATERIALMENTE ADMINISTRATIVA OU NOTARIAL (item 159). Logo, com esses pressupostos, afirmaram inconstitucional e inconvencional exigir-se ação judicial, ainda que de jurisdição voluntária, para retificar-se o registro civil das pessoas transgênero, já que se trata de tema em que tudo que se pode delas exigir seja uma declaração de vontade, escrita e assinada, declarando seu desejo de retificação de prenome e sexo jurídico. Isso por força do princípio da proporcionalidade, em seu subprincípio da necessidade[8], por ser objetivamente aferível a existência de meio menos gravoso para os direitos das pessoas transgênero à retificação de seu registro civil, a saber, a via administrativa, nos termos do art. 110 da Lei de Registros Públicos, conforme já explicado.

Por outro lado, retomando o argumento de que, pela ausência de debate sobre o tema nos processos, talvez o tema não esteja “maduro” para ser neste momento apreciado, sugerem GADvS e ABGLT que o tema seja deixado em aberto, para futuro julgamento, e se limite o Tribunal a garantir o direito à mudança de nome e sexo independente de cirurgia de transgenitalização e de laudos de terceiros. Ao passo que, sobre a questão dos laudos, como se trata de tema apenas da ADI 4275 e não do RE 670.422/RS, as entidades pleiteiam que, “caso reste polêmica somente sobre este tema, que se finalize o julgamento do RE 670.422/RS e postergue-se (por pedido de vista etc) somente o da ADI 4275. Pois “somente” a definição da desnecessidade de cirurgias de transgenitalização já facilitará, em  muito, o urgente respeito à cidadania das pessoas transgênero (travestis, mulheres transexuais e homens trans), por ser a grande polêmica da atual quadra histórica no Judiciário (a questão da necessidade ou não da cirurgia), como destacou este signatário, em sua sustentação oral do dia 20.04.2017 neste RE 670.422/RS”.

Por fim, GADvS e ABGLT, tomando como ponto de partida a citada tese de repercussão geral do Ministro Dias Toffoli, propuseram três opções de tese de repercussão geral ao STF (a conclusão da decisão, que pautará decisões judiciais futuras). As duas primeiras são “alternativas”, ou seja, é indiferente às entidades acolher-se uma ou outra e referem-se ao STF usar o termo “transgênero” ou, caso não se sinta à vontade com ele, os termos “transexual e travesti”, nos seguintes termos:

  1. Proposta Inicial: “A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer, por autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua vontade, dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil, pela via administrativa (art. 110 da Lei 6.015/73) ou judicial, independente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade
  2. Proposta Alternativa: “A pessoa transexual ou travesti que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer, por autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua vontade, dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil, pela via administrativa (art. 110 da Lei 6.015/73) ou judicial, independente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade

Esclareceram as entidades que “Fala-se “via administrativa ou judicial” no sentido de ficar à livre decisão da pessoa a forma que pretende fazê-lo. Da mesma forma que se entende que não falta interesse de agir para divórcios e inventários judiciais quando podem ser feitos extrajudicialmente (é a jurisprudência amplamente dominante), a mesma lógica pode aplicar-se aqui”.

Por fim, subsidiariamente (ou seja, caso não acolhida a pretensão principal), apontaram que, “caso [o STF] entenda que o tema da via administrativa não estaria “maduro” para ser decidido, já que não é objeto nem do RE 670.422/RS nem da ADI 4275, requer-se que não se mencione o tema na tese de repercussão geral, para que ele fique “em aberto” para futura decisão:

  1. A pessoa transexual ou travesti que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer, por autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua vontade, dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil, independente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade.

Espera-se que o julgamento finalmente se encerre no dia 22.02.2018, com o reconhecimento dos direitos da população de travestis e transexuais (mulheres transexuais e homens trans) à retificação de seu registro civil, independente de cirurgia de transgenitalização e de laudos de terceiros.

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Notas

[1] Embora saibam as entidades que há resistência de parte do Movimento de Travestis e Transexuais ao termo “transgênero”, por ele apagar as individualidades e especificidades de travestis, mulheres transexuais e homens trans, esclarece-se que utilizou-se este termo porque, neste caso, no que tange especificamente à questão de mudança de nome e sexo independente de cirurgia e de laudos, não há especificidade identitária a ser trabalhada: tanto travestis, quanto mulheres transexuais e homens trans são merecedoras(es) de tal direito. Por isso que o problema de apagamento de especificidades identitárias não se afigura neste momento e, por isso, entendeu-se por bem concordar-se com a proposição de Maria Berenice Dias, explicada no corpo do texto (pelo uso do termo “transgênero”), embora apresentando-se a alternativa de falar-se em “pessoa transexual ou travesti” para tanto (e o termo transexual, nesse contexto, obviamente abarca tanto mulheres transexuais quanto homens trans).

[2] Cf. <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=362576> (ultimo acesso em 10.02.2018).

[3] Cf. <http://www.apa.org/topics/lgbt/transgender.aspx> (último acesso em 10.02.2018). Tradução livre Agradeço à advogada Márcia Rocha, travesti com muito orgulho, pelo envio da definição já traduzida – Márcia, aliás, foi a advogada que suscitou a Comissão de Diversidade Sexual e Combate à Homofobia da OAB/SP a pleitear o direito ao uso do nome social de advogadas[os] transexuais e travestis na carteira da OAB, pleito este acolhido pelo Conselho Federal da OAB.

[4] O nome do signatário não constou entre os formalmente integrantes das Comissões responsáveis pela elaboração, mas, de fato, enviou e-mails com propostas que foram, em grande parte, acolhidas.

[5] Cf. <http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_esp.pdf> (último acesso em 10.02.2018). Esclareça-se que alguns destes termos, como hiijra, fa’afadine, muxé, waria, transpinoy e biespiritual referem-se a outros povos, que têm uma compreensão de gênero e identidade de gênero próprias de sua cultura.

[6] VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 2ª Ed., São Paulo: Ed. Método, 2014, p. 83. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Minorias Sexuais e Ações Afirmativas. In: VIEIRA, Tereza Rodrigues (org.). Minorias Sexuais. Direitos e Preconceitos, Brasília: Ed. Consulex, 2012, p. 37.

[7] A saber: direito à identidade pessoal e integração social (“a pessoa trans que vive na busca constante da congruência entre sua identidade física e psíquica necessita de reconhecimento e aceitação social para ter efetivada sua inserção na sociedade de forma igualitária”, além da importância do nome na vida social), princípio da dignidade humana (não-coisificação das pessoas trans a um ideal cisgênero/cissexista de sociedade), direitos da personalidade, princípio da igualdade material (proteção da pluralidade de identidades de gênero, não admitindo-se eleger a cisgeneridade como “padrão ideal” a ser, só ele, protegido) e direito à saúde (equilíbrio corpo-mente – e, acrescente-se, a Organização Mundial de Saúde entende saúde como o completo estado de bem-estar físico, psicológico e social e não a mera ausência de patologias, donde o bem-estar psicológico e social das pessoas transgênero mais que justifica a incidência do direito fundamental e humano à saúde, em perspectiva não-patologizante, para a sua proteção).

[8] Cf. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. O arco-íris coloriu as Américas! In: Justificando, 12.02.2018. Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2018/01/12/o-arco-iris-coloriu-as-americas/> (último acesso em 10.02.2018).

ESCLARECIMENTO. Respondendo a pergunta formulada, obviamente o pedido não é para que conste “transgênero” nos documentos das pessoas travestis, mulheres transexuais e homens trans! Usa-se o termo para abarcar todas as identidades em pleito que lhes é comum. O que se pede é que se mude o “sexo jurídico” (o que consta dos documentos) para o feminino, no caso de mulheres transexuais e travestis (se estas últimas o desejarem), e para o masculino, no caso de homens trans, independente de cirurgia e de laudos. O mesmo valendo para o prenome (primeiro nome) da pessoa, para adequá-lo a sua identidade de gênero.