O GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero acaba de oficiar o Ministério Público do Estado de Rondônia, solicitando que tome providências civis e penais contra o docente Samuel Milet. Isso porque o grupo considera que referido professor, durante sua aula, proferiu discurso de ódio contra lésbicas e possível crime de incitação ao crime de violência contra mulheres transexuais que usem o banheiro feminino. Solicitou-se, assim, a propositura de ação civil pública por danos morais coletivos contra a população LGBT, bem como de ação penal por crime de incitação ao crime, neste segundo caso pela fala segundo a qual quebraria de porrada (SIC) alguma mulher transexual (por ele tratada no masculino…) que eventualmente usasse o banheiro feminino se este estivesse sendo usado por sua esposa… Uma fala no mínimo irresponsável que o GADvS entende que tem o condão de incitar a violência contra mulheres transexuais.

Eis o inteiro teor do citado ofício:

São Paulo, 07 de novembro de 2016.

 

Ofício GADvS n.º 09/2016

Para
Ministério Público do Estado de Rondônia.
E-mails
: damacena@mpro.mp.br; airton@mpro.mp.br

 

O GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) apartidária, inscrita no CNPJ sob o n.º 17.309.463/0001-32, que tem como finalidades institucionais a promoção dos direitos da população LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos) e o enfrentamento da gayfobia, da lesbofobia, da bifobia e da transfobia, com sede na Rua da Abolição, n.º 167, São Paulo/SP, CEP 01319-030, entidade eleita como conselheira LGBT da cidade de São Paulo e de atuação em âmbito nacional, vem, respeitosamente, à presença de Vossas Senhorias, expor e requerer o quanto segue:

Consoante amplamente divulgado pela mídia e pelas redes sociais, no dia 20.10.2016 o docente Samuel Milet, em aula de Direito das Sucessões da Universidade Federal de Rondônia, indignado com o teor de palestra proferida em dia anterior em evento acadêmico da faculdade, proferiu discurso de ódio contra lésbicas e, salvo melhor juízo, incorreu, em tese, em crime de incitação à violência contra mulheres transexuais. Isso justifica a propositura de ação penal por crime de incitação ao crime (art. 286 do Código Penal) e ação civil pública requerendo indenização por danos morais coletivos às populações de mulheres – cisgêneras (lésbicas e heterossexuais) e transexuais. Senão vejamos.

Trata-se, à toda evidência, de flagrante violação ao artigo 2º, IV, da Lei de Diretrizes e Bases (L. 9.394/96), segundo o qual “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: […] IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância(g.n). Com efeito, a fala do citado “professor”, como abaixo se prova, é diametralmente oposta a qualquer compreensão de “respeito” e “tolerância” à liberdade de pensamento alheia.

Entenda-se que não se está pedindo para se processar o citado docente em razão de suas falas extremamente simplórias ou sua forma extremamente míope de afirmar igualdade de direitos. A questão é que, além de chamar de “vagabunda”, de “sapatona doidona”, “bostinha, cocô” (SIC) uma mulher pelo simples fato dela defender uma posição da qual ele discorda, ele disse que “quebr[a] ele todinho de porrada” (SIC) para se referir a homossexuais e transexuais que usem o banheiro feminino (cf. infra transcrito). Esse o fato mais grave. Ele fala de “um homo, um gay, um trans” (SIC), como se integrassem a mesma identidade. Dissemina preconceito ao dizer que gays estariam a querer usar o banheiro feminino, uma profunda ignorância ímpar. Mas a questão é dizer que quebra de porrada (SIC) uma mulher transexual que usar o banheiro feminino. Ao passo que também não pode “quebrar de porrada” (sic) quem quer que seja, mas tomar as medidas legais cabíveis, conforme o caso. Incrível um “professor” de direito mostrar desconhecer a proibição de autotutela fora de casos urgentes, o que evidentemente não é o caso. Sem falar que chama de “petista” (SIC), em sentido pejorativo, tudo aquilo com o que ele não concorda. Chocante um “professor” adotar posturas tão ofensiva e desrespeitosa como estas… Sem falar no desrespeito à identidade de gênero das mulheres transexuais, ao aduzir que a elas não se aplicaria a Lei Maria da Penha, “porque” (mulher) transexual não seria “Penha”, mas “Penho” (sic).

Consoante áudio divulgado no site “issonãoédireito” (sic)[1], nele integralmente transcrito, o citado docente proferiu as seguintes falas:

Professor: Sinara Gumieri, já pode, já? Sinara Gumieri, aquela vagabunda, entendeu? Defensora de aborto, de gênero. Vagabunda. Mande pra ela me processar, que eu provo que ela é. O pior sabe o que é? Não é a pessoa que fale, o pior crime é a omissão. O teu corpo é teu?

Aluna: É.

P: Mas a vida não é. Então aquilo que tá dentro de você não é seu, porque é vida. Pode falar.

[…]
A: Eu não quero discutir isso com o senhor, porque eu acho que a gente não tá nessa discussão.

P: Mas é exatamente. Aquela mulher, aquela bostinha, cocô; ela foi lá não foi pra dar uma palestra. Ela não foi pra um debate, porque ela falou sozinha. Aí quando tocou no assunto do aborto eu tive que me manifestar, dei as costas, soltei um peido e fui embora.

[…]
P: Então eu vou falar agora e eu vou usar o mesmo espaço que ela teve. Eu agora vou debater. Tá? Em primeiro lugar, uma questão de gênero. Aonde foi que se discutiu direito ali? Porque a semana era acadêmica de direito.
A: Falaram de Maria da Penha várias vezes.
P: E o que a Maria da Penha tem a ver com transexuais?
A: É direito também, professor. Se é uma demanda social também é direito.
P: Os transexuais têm o mesmo direito que qualquer um, sem dúvida. É ser humano…
A: Mas gênero não é só transexual.

P: Então deixa eu falar. Os transexuais, seja homem ou mulher, GLBT, SBT, Record, o que for, eles são humanos. Humanos, tá? E como humanos eles têm direitos. Agora a questão de gênero que estão querendo incutir em nós é o seguinte: você nasce com uma rola, mas é você quem vai decidir se é homem ou se é mulher, tá? Agora tudo bem, decida. Só que a Lei Maria da Penha foi feita para as mulheres no âmbito doméstico. Os homossexuais, os trans, têm direito? Têm. Eu já falei aqui, mas então vamos fazer uma lei pra eles. Que eles têm direitos, eu acho que têm. Eles não podem ser vítimas da sociedade. Agora usar a mesma lei que eu defendi para você, mulher, e dizer que serve pra ele? Não! Pra ele tem que ter uma lei igualzinha, só que destinada exclusivamente pra ele. Assim como eu não vou permitir nunca que um homo, um trans, um gay entre no banheiro em que minha esposa esteja lá porque EU QUEBRO ELE TODINHO DE PORRADA. Inclusive tinha uma sapatona [sic] que foi aluna minha, gente finíssima, ela disse: professor, eu tenho uma vantagem na frente de vocês. Quando tua mulher vai no banheiro eu vou também, que eu entro lá e fico olhando. A bicha [sic] é boa. Entendeu? Então, se têm direito? Têm! Eu não tô roubando o direito de ninguém, eu só não aceito que seja a mesma lei. Então se a Lei Maria da Penha foi criada, ela foi feita para as Penhas e transexuais não é Penha. É Penho [sic]. Então vamos fazer a lei do Maria do Penho porque não pode sofrer a maldade humana. Isso é gênero? Não, isso é homem com opção sexual [sic], a mulher com opção sexual [sic]. Esse negócio de gênero é PT, meu bem. É PT quem inventou isso. O PT afasta as pessoas. Antes o Brasil era formado de pessoas, hoje o Brasil é formado de classes. Você viu os gays que estão aí querendo cotas, você tem as mulheres que estão querendo… Olha, tu como mulher, tu, tu, tu e tu não fizeram nada para ter os direitos que vocês têm.

A: Eu faço, inclusive peço para calarem a boca quando pessoas têm esse tipo de discurso e falam isso na minha frente.

[…]
A: Mas eu não posso me manter omissa quando o senhor chega dentro de uma sala de aula e fala que não é direito um evento acadêmico em que, se o senhor tivesse comparecido nos demais dias, o senhor poderia ter verificado. Foram mestres e doutores em criminologia, doutores em filosofia, foram juízes. Ela é mestre em direito, a Sinara Gumieri. Ela é mestre em direito da UnB.

P: Não. Ela é uma sapatona muito doida.

A: E se ela quiser ser o problema é dela. A vida é dela.

P: E que veio com uma ideologia petista. Porque eu odeio o PT, veio com uma ideologia petista e vocês bateram palmas de pé.
A: Professor, o senhor pode achar o que o senhor quiser, mas a questão é que o senhor não pode ferir a dignidade de alguém xingando ela pra outras pessoas.

P: Então me processe.

A: Não, eu não tenho que lhe processar em nada.

P: Mande ela me processar.

A: Olhe, se o senhor me chamar de vagabunda, aí eu posso fazer alguma coisa.

P: Mas é porque você ainda não fez por onde. Mas no dia que você fizer…

A: E o senhor sabe? O senhor sabe da minha vida por aí? Porque se eu quisesse ser uma vagabunda também era uma coisa minha e o senhor não tinha que falar nada disso.

P: E se eu quiser chamar é coisa minha e depois a gente discute na esfera jurídica, se é que vai chegar lá. Agora, um direito que eu tenho, e isso é constitucional, é o de livre manifestação.

A: Sim, isso o senhor tem de verdade. E eu também tenho o direito de falar que a sua manifestação é que o senhor está expondo pra um grupo muito grande uma manifestação que está um pouco obscura, porque o senhor está falando de uma coisa que o senhor não conheceu por completo. É só isso que eu estou me manifestando.

P: Olhe, em Rondônia, 85% da população é evangélica. E eu soube que 100% lá era batendo palmas de pé. Então eu não sei onde está o grau de religiosidade dos que estavam lá, porque aplaudir qualquer discurso sobre aborto é aplaudir, é bater palmas pra morte. Ah, mas um quarto das mulheres abortam. E metade do Brasil fuma drogas também, então vamos liberar. A lei diz que matar é crime, que não deve matar, mas todo dia morre gente, então vamos liberar o homicídio também. Então vamos ponderar o que aquela moça que chegou lá pra falar. Ela quis dizer o seguinte: que as pessoas que não são, as pessoas que optarem [sic] ser homossexuais devem ser vistos como mulher, se ele for homem. E que deve ser visto como homem se ele for mulher. A opção de cada um é de cada um, agora dividir com a minha lei Maria da Penha que eu ajudei a inventar? Eu não editei Lei Maria da Penha não foi pra transexuais, não, eu editei foi pra mulheres no âmbito familiar. Agora, os transexuais devem ser protegidos? Devem. Vamos fazer uma lei pra eles. Eu ajudo a fazer também. Eu não quero tirar o direito de ninguém. Agora, trazer pras Universidades ideologia de sapatão, de petista… Eu morro, eu morro defendendo minhas convicções. E minha convicção é que o crime mais nojento que existe é o aborto. E vamos acabar com esse negócio. Você é dona do seu corpo? Então faça a doação dela em vida, que importa em diminuição, pra dizer que não é seu o corpo. Você tá dizendo que a vida é sua? Eu digo que ela não é.

A: Professor, eu posso concordar com 90% do que uma pessoa diz, eu vou criticar ela e chamar ela de vagabunda só porque ela disse uma coisa que eu não concordo?

P: Eu chamo do que eu quiser. Porque eu tenho coragem, eu não sou hipócrita.

A: Só que eu acho que a partir do momento que eu discordo com a posição de alguém, isso não me dá o direito de chamar ele de nenhuma coisa. Assim como eu não posso chamar o senhor de nada, porque a sua pessoa não tem a ver com as suas ideias, entendeu?

P: Não. A minha pessoa tem a ver com as minhas ideias. Pode ter certeza.

A: A sua dignidade como pessoa eu não posso atacar pelas suas ideias, pelas quais eu não concordo, como o senhor pode ver aqui.

P: Você pode não concordar. Agora eu estou explanando o que eu penso e que eu luto por isso. Eu sou contra a ideologia de gênero [sic].

A: Justamente, o senhor falou que a manifestação de pensamento é livre para todo mundo, mas o senhor prega que um pensamento contrário ao seu não deve ser professado só porque é contrário ao seu.

P: Eu não preguei nada.

A: O senhor falou que não deveria colocar num evento acadêmico porque isso não era direito. O senhor está querendo cercear a nossa ideia.

P: Pois agora se depender do meu voto e do meu poder enquanto operador do direito, se eu ver o diretório, o chefe de departamento tirar falta de aluno eu vou pro Ministério Público Federal e derrubo gente. Porque eu tenho que dar 40 horas-aula. Quem quiser jogar futebol, quem quiser fazer, faça fora do horário noturno, ou pelo menos que tenha cuidado com a minha disciplina.

A: Professor, o senhor sabe que a gente tem cargas extras a cumprir, né? Eu não tô falando de jogos, porque aí realmente é uma opinião sua. Mas a gente tem cargas fora da sala de aula pra cumprir, o senhor quer que a gente cumpra essas cargas fora de sala de aula em que horário?

P: Desde que seja depois das 40 horas, depois das 80 horas.

A: Aí o senhor quer que a gente cumpra elas no sábado? No domingo? Porque no sábado a agente já tá fazendo. No domingo também?

P: Aí eu não sei, aí é problema seu. Tá? Eu só quero dizer o seguinte: se vocês tivessem vindo pra aula teria mais proveito do que assistido aquela palestra.

A: Pra ver alguém ser chamada de vagabunda em sala de aula?
P: Não. Porque ela só foi chamada depois que ela professou o crime de aborto.

A: Pra ficar ouvindo piada de estupro em sala de aula?
P: Você é petista. É petista.

A: Sou não, professor. Eu nunca votei em ninguém do PT e tenho orgulho de dizer isso. Nunca votei em ninguém do PSOL, do PT e do PMDB. A questão é que eu tenho um posicionamento meu e o senhor não está respeitando.

P: Eu tô respeitando, sim.

A: Não.

P: E o que eu estou fazendo contra você? Eu tô te expulsando da sala de aula? Eu tô dizendo que vou lhe reprovar?

A: Não, porque eu não estou lhe dando nenhum motivo pra isso.

P: Eu estou dizendo que vou te reprovar?

A: Não.

P: Pois é, eu respeito a sua opinião.

A: O senhor está dizendo que eu sou petista de uma forma como se fosse ofensivo. E quem quiser ser que seja.

P: Porque você usa exatamente o mesmo sistema petista de manifestação. Você tá falando que eu não posso falar porque eu chamei ela de vagabunda e reitero? Você só tá usando isso. Você não tá discutindo o tema, não.

Outro aluno: Professor, dá pra gente tratar desse ponto fora de sala?
A: Não, mas foi escolhido tratar dentro de sala.

P: Faça uma representação contra mim.

A: Pode deixar.

P: Faça uma representação contra mim. Eu tenho o direito de me manifestar. A disciplina é minha. Reclame. Você é autoridade. Reclame. Agora não venha me dizer o que eu tenho que fazer não, porque eu faço isso há 19 anos e eu estou me manifestando aqui enquanto pessoa. Não é como professor, não. É como pessoa. Agora se você está achando ruim, quem tem que sair é você porque eu continuo. Eu só não faço é ficar calado quando eu vejo falar em aborto, porque aí mexeu comigo.

Outra aluna: Ô professor, deixa a gente fazer…

P: E eu tenho vergonha de quem levantou e bateu palma pra aquela moça. Tenho vergonha. Porque se ela tivesse falando de direito, de coisa que não fosse opinião própria dela e pra meia dúzia de gato pingado, aí tá certo. Mas bater palma pra quem professa aborto, bater palma pra quem quer mudar o mundo? Cada um tem suas opiniões e eu tô expressando a minha e eu respondo pelos excessos. Pode ter certeza que eu estou aqui na UNIR não é por causa de um salário, não… Se tivesse eu teria muito dinheiro, se fosse pra abaixar a cabeça. Assim como eu dei as costas lá praquela moça. Que eu chamei de vagabunda, todo mundo viu. Aí estou esperando o processo.

22 de outubro de 2016

Não se pode deixar de louvar a aluna que tão pacientemente dialogou com a fúria irascível e preconceituosa do citado “professor”. Ela mostrou a ele a postura que se espera de um docente em sala de aula e merece, assim, ser reconhecida.

Em suma, referido “professor” partiu para ofensas chulas contra uma mulher apenas por ela defender uma tese diferente daquela a qual ele prega (a hipocrisia de negar estar “pregando” só mostra o quanto ele pretende naturalizar seu modo de ver o mundo e demonizar modos de ver o mundo distintos). Algo que certamente deve ensejar sua punição pela faculdade, já que não se trata de postura condizente com o cargo de “professor”…

Vale ressaltar que discursos de ódio não são protegidos pela liberdade de expressão. O Supremo Tribunal Federal já afirmou que a liberdade de expressão não permite o cometimento de crimes e, assim, não permite a ofensa a terceiros (STF, HC 82.424/RS). Sendo a liberdade o direito de se fazer o que se quiser desde que não se prejudiquem terceiros, e tendo em vista que incitações ao ódio, ao preconceito e à discriminação efetivamente prejudicam suas vítimas, tem-se por evidente que não se encontra no âmbito de proteção da liberdade de expressão as condutas de incitação ao crime, de ofensa pura e simples a terceiros e de incitação ao preconceito e à discriminação, cometidas pelo citado “professor”. Assim, a fala dele de que estaria exercendo seu direito a liberdade de manifestação é manifestamente improcedente: ele, no máximo, incorreu em abuso de direito durante sua fala, a qual, nos trechos destacados, jamais pode ser considerada como protegida pela liberdade de expressão (lembre-se que não se está pleiteando para ele ser processado em razão de seu mero reacionarismo, mas apenas pela incitação ao crime de agressão a mulheres transexuais que usem o banheiro feminino, desrespeitar a identidade de gênero delas e por chamar tratar como “vagabunda” e detentora de “ideologia de sapatão” uma mulher que defendeu uma tese distinta da dele).

Felizmente, diversas entidades já publicaram notas de repúdio ao citado “professor”, disponíveis no site citado. O Centro Acadêmico de Direito 5 de Outubro, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Mulher e a Comissão de Diversidade Sexual da OAB de Rondônia, a Federação Nacional dos Estudantes de Direito – FENED, o Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Gêneros, Discursos e Comunicação na Amazônia Ocidental (HIBISCUS-UNIR-Vilhena), o Coletivo Feminista Maria-Cavaleira, o Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, a Defensoria Pública do Estado de Rondônia, o Deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) e o Levante Popular da Juventude.

O GADvS ratifica todas essas notas de repúdio. Referido “professor” tentou se defender, em vídeo-resposta disponível no citado site, aduzindo no essencial que não teria havido conotação pejorativa no seu uso do termo vagabunda… Ora, tal fala desafia a inteligência de pessoas racionais e de boa-fé. Como disse o editorial do referido site, em resposta a isso, “A tentativa de aproximar ‘vagabunda’ de sentidos literários ou musicais é pueril. Havia virulência no áudio; a voz de Milet gritava. Não havia a leveza de quem subverte a língua, mas o ódio de quem persegue mulheres. As palavras precisam do contexto para seu julgamento sobre sentidos. “Vagabunda” foi uma dentre graves ofensas pelas quais Milet descreveu Sinara Gumieri. Sobre as outras – tão odiosas quanto “vagabunda” – Milet não apresentou razões para seu anúncio em sala de aula. Por fim, não há como reclamar para si mesmo o direito de ofensa à honra ou da defesa de bons constumes. É a honra, a integridade, a dignidade de Sinara Gumieri que foi ofendida pelas palavras odiosas de Samuel Milet. Se há bons costumes em jogo, eles devem ser aprendidos por Milet: um deles é o de respeitar seu posto como professor de uma universidade pública. Liberdade de pensamento não se confunde com ódio. Por isso, pedimos que escutem novamente o áudio, assinem a petição, divulguem este odioso caso para que possamos afirmar que as universidades serão espaços livres de discriminação”.

Ante o exposto, solicita-se, respeitosamente, ao Ministério Público Estadual de Rondônia que:

(i) pleiteie a instauração de inquérito policial para apuração de eventual crime de incitação ao crime (art. 286 do Código Penal), pela fala segundo a qual o citado “professor” “quebr[aria] de porrada” mulher transexual que usasse um banheiro feminino, ou, caso já considere o áudio e a transcrição constantes do site “issonãoédireito” suficientes, já promova a respectiva ação penal contra ele;

(ii) promova ação civil pública por danos morais coletivos em face do referido “professor”, pelo inegável discurso de ódio por ele proferido naquele dia, ao chamar de “vagabunda”, de “sapatona doidona”, “bostinha, cocô”, “petista” e detentora de “ideologia de sapatão” (SIC) uma mulher apenas por ela adotar uma compreensão de mundo distinta da dele;

(iii) oficie a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Rondônia, em reforço à instauração de procedimento administrativo disciplinar para punir referido “professor”, dada sua postura absurdamente incompatível com o mínimo que se espera de um “docente”, a saber, o respeito àqueles(as) que externem pensamentos distintos dos seus, não ofendendo-os(as) chulamente, como ele fez, bem como pela “ameaça” de não liberar alunos(as) para eventos acadêmicos da faculdade quando ele não concordar com o tema ou os(as) palestrantes, como claramente deixou a entender em trecho supra transcrito. Foi noticiado que ele foi afastado de suas funções em razão de tão nefastas declarações[2], mediante abertura de processo administrativo disciplinar, mas o apoio do Ministério Público a tal apuração e punição disciplinar certamente será altamente relevante. Ou, pelo menos, requisite as provas colhidas na referida apuração administrativa para poder analisar as medidas cabíveis.

Sem mais para o momento, subscrevemo-nos.

 

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GADvS
Paulo Roberto Iotti Vecchiatti
Diretor-Presidente do GADvS
OAB/SP n.º 242.668
(assinado eletronicamente – assinatura digital aceita pelo STF)

 

[1] Cf. <http://issonaoedireito.tumblr.com/> (acesso em 25.10.2016).

[2] Cf. <http://www.metropoles.com/distrito-federal/educacao-df/professor-de-rondonia-e-afastado-por-xingar-palestrante-da-unb/amp> (acesso em 07.11.2016).